NOTÍCIA
O potencial de novos estudantes no Brasil é gigantesco. Mas é preciso ajustar preço e condições de pagamento, diz diretor de empresa especialista em crédito educacional
Publicado em 05/05/2021
Por Nivio Delgado*: É incontestável que o investimento público para a ampliação de matrículas no ensino superior público e particular, por meio de crédito e bolsas integrais, foi fundamental para a expansão do acesso à educação superior. No entanto, após o ápice de investimentos em 2014, o enxugamento desses recursos proporcionou uma estagnação do crescimento no número de matrículas na rede privada – proporcional à (in)capacidade de pagamento dos estudantes e de suas famílias, bem como ao volume de fontes de financiamento alternativas colocadas à disposição no setor. Atualmente, esta realidade é ainda mais potencializada pela pandemia da covid-19 e o consequente aumento da instabilidade econômica no país.
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Segundo o Instituto Semesp, no Mapa do Ensino Superior 2020, pelo menos 1,27 milhão de estudantes tentaram acessar, em 2018, o ensino superior pelas provas do Enem e não conseguiram.
Considerando que atualmente 58,4% dos matriculados na graduação têm até 24 anos, estima-se que mais de 3 milhões (40%) de egressos do ensino médio nos últimos quatro anos não acessaram o ensino superior.
O cenário ainda é agravado se pegarmos os índices mais recentes, diante da maior abstenção da história do Enem (mais de 50% dos inscritos), ocorrida em 2020.
Estamos diante, portanto, de uma demanda reprimida por falta de condições financeiras de acesso à educação.
Uma pesquisa realizada pela Consultoria Atmã Educar revela que 50% dos jovens brasileiros, entre 18 e 24 anos (cerca de 14 milhões de pessoas), podem pagar até R$ 300,00 de mensalidade. Por outro lado, somente 22% (2,9 milhões) dessa população consegue pagar mensalidades acima de R$ 1.000,00.
Apesar das dificuldades dos estudantes, em especial de acesso à tecnologia e de ambiente domiciliar, o crescimento do número total de matrículas no ensino superior, desde 2015, vem sendo proporcionado pelo ensino a distância. Neste sentido, a pandemia alavancou ainda mais esta expansão, em um momento no qual mesmo graduações tradicionalmente presenciais optaram por organizar as aulas online – decisão cujos impactos ainda estão sendo avaliados. Entretanto, o número total de ingressantes ainda é marginal perto da quantidade de egressos do ensino médio que não tiveram a oportunidade de entrar no ensino superior.
Se em 2014 o Fies era responsável pelo ingresso de 21,3% dos estudantes no ensino superior, em 2018, esse número não representou mais do que 2,6%. Uma queda de -719,23%, em quatro anos, que abriu espaço para o crescimento de soluções alternativas em substituição.
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Segundo o Instituto Semesp, programas próprios de parcelamento e créditos educacionais de instituições de ensino superior (IES) cresceram 141% entre 2014 e 2018. Por outro lado, modalidades de financiamento de entidades que utilizam recursos externos não tiveram um crescimento representativo, demonstrando um amadurecimento da cultura de crédito educativo na gestão educacional.
Um estudo realizado pela Fundacred em 2018, com 1.334 IES, constatou que 31% apresentavam algum tipo de parcelamento, crédito próprio ou financiamento estudantil, enquanto 59,8% praticavam políticas de bolsas-descontos. Implementar uma matriz criativa – e ocupada em evoluir constantemente sua estratégia de precificação e de condições de pagamento – amplia o espectro de captação de forma sustentável.
O potencial de novos estudantes, de mais matrículas no ensino superior brasileiro é gigantesco. É preciso ajustar preço e condições de pagamento à capacidade das famílias que, mais do que nunca, desejam e acreditam no ensino superior como fator de mobilidade social. Evidente que, enquanto ainda avaliamos os impactos da pandemia na população, cabe uma análise ainda mais aprofundada para transformar esse potencial em realidade.
Programas consolidados no tempo, como os administrados pela Fundacred há mais de 48 anos, para mais de 250 instituições de ensino, não são mais exceção e têm servido de inspiração para o setor, tanto pela autonomia e segurança que proporcionam no fluxo de recebíveis em regime de caixa e de competência das IES, quanto pela convergência de novas matrículas.
Sendo assim, outra pesquisa realizada pela Fundacred em parceria com a Atmã Educar aponta que, além da ampliação na captação, instituições de ensino que utilizam programas de crédito educacional como ferramenta de captação também apresentam dois terços menos evasão e dois terços menos inadimplência das parcelas pagas durante o curso dos estudantes beneficiados.
Faculdades que fecham o primeiro ciclo virtuoso de restituição dos créditos concedidos experimentam uma retroalimentação positiva de recebíveis, ao mesmo tempo em que modulam a oferta de forma autônoma e independente de políticas governamentais, spreads e demais fatores de oscilação do custo de capital de terceiros.
Não são poucos os exemplos de IES que, sob o crepúsculo do Fies de 2015, simplesmente ajustaram sua captação em harmonia com seus programas próprios de crédito educacional e pouco, ou nada, sentiram de impacto com a debacle do sistema. Portanto, campanhas de captação também podem ser construídas sobre bases sustentáveis e retroalimentadas. O desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico passam pelo retorno sobre o investimento em educação e pela mobilidade social.
*Nivio Delgado, diretor executivo da Fundacred.
IES têm rede de compras colaborativa