NOTÍCIA

Edição 275

Governo vai mudar regras para facilitar o financiamento

Secretária de Educação Superior do MEC fala de ações para o setor

Publicado em 19/05/2023

por Sandra Seabra Moreira

Secretária da Educação Superior fala sobre o Fies Denise Pires de Carvalho, secretária da Educação Superior (foto: divulgação/MEC)

Denise Pires de Carvalho foi a primeira mulher reitora na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, a maior universidade federal do país, criada em 1920. Deixou o cargo que ocupava desde 2019 para assumir a Secretaria de Educação Superior, no MEC. Um desafio e tanto, sobretudo porque ao longo dos últimos anos, além do negacionismo científico, as universidades públicas e o ensino superior como um todo tiveram sua importância questionada. “É estatístico, o que mais promove mobilidade social no Brasil é o ensino superior, é o número de anos de escolaridade. Isso é importante, transforma não só a vida das pessoas, mas as de suas famílias”, diz. Nesta entrevista, Denise aborda as estratégias para o aumento de vagas no ensino superior público, antecipa aspectos da reformulação do Fies, comenta a necessidade de regulamentação para a garantia de qualidade no ensino a distância e a vinculação do programa Mais Médicos à criação de novos cursos de medicina.

 

O Brasil tem baixa taxa de escolaridade superior, comparada com outros países, como é o caso de Chile, México e Peru. O que poderia ser feito, em termos de políticas públicas, para haver um aumento expressivo na quantidade de matrículas na educação superior, tanto pública quanto privada?

 

Quando olhamos a evolução do número dos participantes no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem – e ainda bem que ele existe, pois nos dá um norte –, até 2015, 2016, havia aumento progressivo no interesse dos jovens em ingressar no ensino superior. Digo isso porque houve número progressivo de inscritos. Isso mais ou menos acompanha o aumento da oferta de vagas que aconteceu pelo plano de expansão, principalmente, das universidades federais nos governos Lula e Dilma. A partir de 2016, creio que não é coincidente, há um decréscimo progressivo na evolução dos números de participantes do Enem. Em 2016 foram 5,8 milhões de participantes, esse número caiu para 4,4 milhões em 2017. Não se explica o fato com a pandemia, pois a antecede. Depois caiu para 3,9 milhões em 2018. Quando chega a 2020, há 40% menos pessoas jovens ou não tão jovens participando do Enem. Isso ocorre porque houve mudança na política e há uma série de questões envolvidas, entre elas a isenção do pagamento de taxa de inscrição. Então, em primeiro lugar, precisamos atrair novamente os jovens para o Enem. Se partimos daquele pico de 2015, 2016, temos a impressão de que as pessoas querem acessar o ensino superior, já que o Enem é o principal acesso para as universidades federais, estaduais, inclusive para as privadas, no caso do ProUni e Fies. Estamos discutindo mecanismos de divulgação para o Enem e vamos dar a isenção da taxa para os mais vulneráveis. E o resultado do Enem precisa sair no início de janeiro e não no final de fevereiro. Isso afasta muita gente também. São coisas pequenas que não impactam o orçamento. E em paralelo estamos fazendo um grande programa de expansão de vagas.

 

Quantas novas vagas serão criadas?

 

Vamos lançar um edital com carreiras e áreas específicas para ampliar o ingresso dos alunos e não ficar com áreas ociosas. Quando cheguei à Secretaria de Ensino Superior, não encontrei dados de estudantes por campus universitário, apenas da universidade como um todo, então ainda não sabemos. De qualquer forma, não será uma expansão linear, pois não dará certo. Eu tenho certeza de que o Brasil precisa de mais engenheiros, médicos, enfermeiros, dentistas e principalmente mais profissionais na área de tecnologia da informação. No ensino superior privado, as vagas se ampliaram nas áreas de pedagogia, administração e direito, mas os formados têm dificuldade de achar uma vaga de trabalho, justamente porque a expansão foi de maneira não organizada.

 

De acordo com o Inep, dos mais de 3,7 milhões de ingressantes no ensino superior em 2021, 53,4% optaram pela modalidade a distância, enquanto 46,6% escolheram cursos presenciais. Essa tendência pode se manter. Mas é preciso assegurar a qualidade dos cursos. Quais medidas serão implementadas nesse sentido?

 

De 2016 para cá, apesar da diminuição do interesse pelo Enem, houve uma expansão enorme do setor privado e principalmente nos cursos de educação a distância. Não queremos apenas ampliar o número de matrículas, mas também garantir a qualidade do ensino superior. Para isso, a Seres – Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior – está com vários grupos de trabalho estudando os cursos a distância e haverá muita regulação. Queremos ampliar vagas e garantir qualidade, no presencial e a distância.

 

O que é analisado no curso EAD para definir sua qualidade?

 

A carga horária presencial, a qualificação do corpo docente, a qualidade do material produzido, a interação com professores e tutores. Não é possível um EAD que apenas ofereça aulas gravadas há dez anos ou mais, portanto com conteúdo sem atualização. Isso não é ensino, é produção de vídeo.

 

Como está o ensino a distância nas universidades públicas?

 

Todo mundo fala que é muito importante a pessoa ou a instituição ser resiliente. O resiliente é como um elástico, que se adapta quando estica e depois volta ao que era antes. Eu considero que o mais importante é a capacidade de se adaptar e não necessariamente voltar ao que era antes, porque não necessariamente o que era antes era o melhor. Seres humanos são muito diversos sob o ponto de vista cognitivo e nós colocávamos as pessoas numa sala de aula como se todas preferissem o ensino presencial, como se todas naquele ambiente aprendessem muito bem dentro de uma sala de aula. Nós sabemos que não é assim. Eu penso que o futuro será híbrido, porque é o que vai democratizar e respeitar a diversidade.

 

As universidades públicas têm infraestrutura adequada para o ensino híbrido ou a distância?

 

A maior parte das escolas brasileiras não têm conectividade. O primeiro passo é que haja rede de alta velocidade em todas as instituições educacionais do país, da educação básica ao ensino superior. Não é possível continuar com esse apagão. Ainda temos muitas escolas sem eletricidade, por exemplo. O Brasil precisa avançar, o ministro Camilo Santana está atento, junto com o FNDE e o BNDES, e vai lançar o programa de conectividade em breve. Nas universidades se trata de modernização. Vamos ter de lançar editais de modernização para ter o 5G chegando.

 

De que maneira a secretaria pretende incorporar o uso consciente da inteligência artificial na capacitação de professores, de modo a incentivar a curiosidade epistemológica e o pensamento crítico dos estudantes no ensino superior?

 

É um super desafio, mais uma vez dependerá da capacidade de adaptação às novidades. O ChatGPT é só uma dessas novidades. Quando fui me despedir da comunidade da UFRJ, escrevi uma carta e depois eu pedi para o ChatGPT escrever. Aconteceu de um parágrafo ser exatamente igual ao que escrevi, entre os parágrafos mais gerais, usados para se despedir. Ao pessoal que fala sobre plágio, eu comento “o grande problema é que o ChatGPT é capaz de plagiar o ser humano”. Se ele é capaz de me plagiar – eu escrevi antes –, o que vai ser plágio? Então temos essa discussão sobre o plágio. O que vai ser considerado original? Essa é a grande discussão, pois o que é originalidade? A sociedade se baseia muito nisso quando qualifica o profissional. O quanto tal pessoa é original, com capacidade de produção inovadora. Tudo isso vamos ter que discutir. 

Levando em consideração a sala de aula, acho que vai ser um ambiente muito rico. E para isso, sem dúvida nenhuma, os professores vão se qualificar. No ensino superior de escolas públicas, onde atuo há 30 anos, cada aula é diferente, o professor está muito acostumado a esse ambiente. Um bom professor busca a educação continuada. Nós nos alimentamos de conhecimento novo nos congressos, eventos, essa é a característica do docente. Mas é fato que o avanço tecnológico nos atropela. Eu nem conhecia o Meet e agora uso inúmeras plataformas, sem problemas. A tecnologia avançou muito, o ser humano é capaz desse avanço? Nem todos. O desafio estará na capacidade de adaptação dos professores, porque os alunos já vêm sabendo.

 

Terminou a moratória de cinco anos para a abertura de novos cursos de medicina. O governo vincula a abertura de cursos de medicina ao programa Mais Médicos, com o objetivo de cobrir áreas carentes de atendimento médico. Como estão os editais? 

 

O estudo Demografia médica no Brasil, coordenado por Mauro Sheffer, aponta que o Brasil conta com 2,6 médicos por mil habitantes, taxa menor do que a média dos países avaliados pela OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico –, que é de 3,36. Se observo o Distrito Federal, há em torno de 6 médicos por mil habitantes. Em Vitória, 14 médicos para cada mil habitantes. Nas regiões metropolitanas já não é assim, não há ao menos dois médicos para cada mil habitantes. No interior também há poucos médicos, mas há cidades com mais médicos do que na região metropolitana, talvez por conta do Mais Médicos. Então, sim, é preciso aumentar as vagas, mas em cursos de medicina de qualidade. Está repleto de cursos de medicina com índices 1e2no Inep. Esses cursos precisam ser fechados porque estão colocando profissionais no mercado de trabalho que não deveriam atuar como médicos. A moratória acabou, mesmo porque não impediu o aumento de vagas – foram abertas cerca de 40 mil vagas de 2018 para cá. São cursos todos judicializados, então não houve análise do MEC, da Seres. Uma coisa é a universidade ter um curso com 50 vagas e outra coisa é ter 150. Por isso o ministro Camilo Santana revogou a moratória e é a Seres que vai definir esses editais; provavelmente, serão chamamentos para aumento de vagas e aberturas de cursos.

 

Leia: O papel da autoavaliação do Sinaes

 

Entretanto, não adianta abrir curso se não há corpo docente. Há estratégias que vamos encontrar para tentar formar o corpo docente. Outra questão importante é que haja abertura de programas de residência médica. Quem fixa o médico na localidade não é o curso, mas a especialização. Não adianta o médico se formar no interior do Amazonas, porque lá tem um curso médico, e depois fazer residência no Rio ou em Brasília. Ele não volta. Por isso temos de caminhar juntos. O programa Mais Médicos, com ajuda das universidades, deverá criar as vagas de residência médica nesses locais e isso é uma política pública para médio e longo prazo.

 

Está entre as prioridades do MEC a ampliação e reformulação dos programas de financiamento estudantil para aumentar o acesso e o estímulo à diversidade do ensino superior? Há uma proposta de adoção de sistemas de financiamento estudantil com pagamentos vinculados à renda futura do aluno. Essa proposta está em análise?

 

Existe um grupo de trabalho que está reformulando o Fies. Sou presidente do comitê gestor do Fies, estou aguardando o resultado para realizar a análise. Para todas as perguntas acima a resposta é “sim”. O Fies reformulado virá para atender a diferentes dimensões. Primeiramente, o olhar diferenciado para os estudantes de maior vulnerabilidade socioeconômica. Se aprovado, levará em consideração a renda futura do aluno e isso já está no programa Mais Médicos. O médico que precisa pagar o Fies, se for para áreas remotas, terá amortização ou até mesmo a dívida inteira paga no final do estágio, se ficar na região por quatro anos. Ou seja, dependendo da profissão, há essa possibilidade, depois da formatura, de amortizar o débito. São várias dimensões, eu não vou dar muito spoiler porque ainda não sabemos se será aprovado no comitê gestor, porque tudo isso pode ter impacto orçamentário. E precisa ser aprovado pelo comitê gestor, não só sob o ponto de vista das políticas públicas, que queremos mudar, mas também para que o Fies se fortaleça, pois tem sido enfraquecido nos últimos anos.

Uma coisa que se pede muito é o Fies 100%. Por exemplo, o curso médico tem um teto que é de R$ 52 mil reais por semestre. As famílias precisam pagar R$ 3 mil, R$ 4 mil, R$ 5 mil para os seus futuros médicos e elas não conseguem, principalmente se for uma família que vive com meio salário mínimo per capita. Se viver com um salário e meio per capita também é muito difícil. São cursos muito caros. O Fies não está com um teto maior nos cursos médicos e pretendemos mudar esse teto também. São muitas novidades, por isso está demorando. A proposta está quase pronta, neste mês de maio deve ser encaminhada ao comitê gestor.

 

Autor

Sandra Seabra Moreira


Leia Edição 275

home

O papel que as universidades têm que ocupar na escrita

+ Mais Informações
Cultura de paz

Violência se desaprende na escola e na universidade

+ Mais Informações
Campus da International Christian University, no Japão

O longo declínio das matrículas no Japão

+ Mais Informações
Secretária da Educação Superior fala sobre o Fies

Governo vai mudar regras para facilitar o financiamento

+ Mais Informações

Mapa do Site