Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Como ser uma liderança eficaz na educação

Princípios da liderança transformacional oferecem orientações valiosas para os líderes na superação de desafios e aproveitamento de oportunidades futuras

Liderança transformacional A liderança transformacional é um estilo de liderança que se concentra em inspirar e capacitar os seguidores para alcançarem seu potencial pleno e superarem suas próprias expectativas

Nos últimos anos, o ensino superior tem sido colocado à prova e especialmente suas lideranças têm experimentado momentos muito delicados. Claro, também estou falando da pandemia da covid-19, com consequências que ainda se farão sentir por muito anos, mas não só. O comportamento dos estudantes está mais desafiador, seja pelo distanciamento e falta de motivação, seja pela agressividade com que lutam pelas suas agendas, por exemplo, de inclusão e diversidade. A troca de ideias também está ameaçada e cada vez menos o debate livre é fomentado. E estes são somente alguns exemplos de fenômenos que ganharam força nos últimos anos.

O fato é que exercer um papel de liderança em uma instituição de ensino superior não é uma tarefa simples, sabemos muito bem disso. Mas, o que exatamente torna essa tarefa tão complexa? Adicionalmente, será que existe um modelo de liderança que tenha maiores chances de êxito frente a esse desafio? Estas são algumas das questões que este artigo tentará responder.

 

A complexidade das IES

 

Tendo trabalhado por mais de 20 anos no ensino superior, conheci as instituições por dentro; conheci a cozinha, por assim dizer. Acho que é por isso que acabei por ficar inconformado com a visão, normalmente expressa por profissionais de outros setores e que não conhecem a realidade de uma faculdade, de que é muito fácil gerir uma IES, que uma IES é um organismo muito simples, que opera em ambientes que em nada lembram as dificuldades da realidade corporativa, esta sim muito mais desafiadora.

É claro que conheço a tendência humana de simplificar e, ocasionalmente, desqualificar o que não conhecemos ou entendemos corretamente. Ouvi esse pensamento, expresso de uma forma ou de outra, muitas vezes ao longo de minha carreira. Confesso que muitas vezes pensei, mas nunca falei, que “claro, gerir uma instituição de ensino é simples, difícil é fabricar e vender chocolate” – se bem que a queda na qualidade de muitos produtos vendidos no Brasil me leva a crer que produzir chocolate não deve ser nada fácil. Devaneios à parte,  quais serão as causas da complexidade que observamos em instituições de ensino superior?

Um livro recente bastante interessante sobre liderança acadêmica (GALLOS & BOLMAN, 2021) (1) propõe que essa complexidade é multifacetada e oriunda de variáveis bastante diversas, originárias de fatores fundamentais: a natureza da missão de uma instituição de ensino; a estrutura organizacional que evoluiu de forma desconexa, sem uma centralização como no caso de organizações de outros setores; a figura do docente como profissional do conhecimento.

 

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  1. Missão multifacetada: as IES possuem missões complexas que incluem ensino, pesquisa, serviço à comunidade e extensão, exigindo conjuntos distintos de entendimentos e habilidades de liderança e gestão. Não só isso, mas essas dimensões distintas se traduzem em um grande número de stakeholders diferentes, como estudantes, corpo docente, pessoal administrativo, financiadores, a comunidade local e parceiros industriais, cada um com expectativas e objetivos distintos. Isso sem falar nos órgãos reguladores, outro interlocutor vital para qualquer IES no Brasil;
  2. Estrutura organizacional desconexa: em sistemas de informação, dá-se o nome de acoplamento ao nível de interdependência entre dois componentes de uma plataforma. Em organizações, esse termo seria utilizado no contexto da interdependência entre duas áreas. Para GALLOS & BOLMAN, as IES evoluíram a partir de uma visão de acoplamento fraco, ou frouxo, em que as áreas, as faculdades que compõem uma universidade ou mesmo os departamentos que compõem uma faculdade, apresentam baixa interdependência entre si. Para os autores, essa configuração se estabeleceu pois permite flexibilidade, adaptabilidade e a preservação da autonomia acadêmica, essenciais para a inovação e para aprofundar a especialização em ensino e pesquisa;
  3. Docente como profissional do conhecimento: em linha com outros setores de serviços sofisticados, mas em oposição ao trabalho manual que consistia a norma nas economias desenvolvidas até quase o final do século 20, docentes são profissionais do conhecimento e, como tal, apresentam algumas características que não podem ser ignoradas. Docentes sabem mais sobre o que deve ser feito, por exemplo, em suas aulas, do que os coordenadores. Como líder acadêmico, me deparei com essa realidade continuamente; por exemplo, eu sou administrador e, como tal, não estava qualificado para opinar sobre as particularidades de uma disciplina sobre Tipografia, para citar um caso. GALLOS & BOLMAN advertem:
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“A autoridade é uma relação assimétrica que funciona melhor quando os chefes têm conhecimento suficiente para fornecer orientações úteis e tomar as decisões corretas. Isso é verdade quando eles têm uma vantagem informacional – eles conhecem o trabalho e as circunstâncias bem o suficiente para dar boas direções. A abordagem de cima para baixo é menos eficaz quando o trabalho dos subordinados requer a aplicação de expertise e julgamento profissional em circunstâncias fluidas e imprevisíveis” (p.87).

Em casos como esse, Peter Drucker (1993) (2) já nos alertava para o fato de que o engajamento é o fator essencial para se conquistar a cooperação de um profissional do conhecimento. “Nada mais funciona”, dizia Drucker (p.83). De fato, em minha experiência, a instituição só tem a perder se entrar em confronto com o corpo docente. A falta de engajamento docente leva, inevitavelmente, à queda de qualidade e ao declínio organizacional.

Diante desse quadro complexo, multifacetado, com muitos aspectos incontroláveis pela liderança institucional, qual seria a abordagem mais adequada para se adotar em uma IES? Entra em cena a Liderança Transformacional.

 

Liderança transformacional – um modelo adequado aos desafios do ensino superior

 

A liderança transformacional é um estilo de liderança que se concentra em inspirar e capacitar os seguidores para alcançarem seu potencial pleno e superarem suas próprias expectativas. Essa abordagem de liderança enfatiza a capacidade do líder de criar uma visão compartilhada, promover um ambiente de trabalho positivo e motivador, e incentivar a inovação e criatividade dentro da organização (Alessa, 2021) (3). Ao adotar um estilo de liderança transformacional, líderes podem inspirar suas equipes a melhorar a si próprios e a abraçar mudanças.

Foi George Bass (ver, por exemplo, 4) quem adaptou uma teoria inicialmente desenvolvida para compreender fenômenos políticos ao contexto organizacional. Essa adaptação permitiu a exploração e aplicação da liderança transformacional no contexto das dinâmicas e desafios organizacionais, além de abrir caminho para o estudo sistemático do impacto da liderança transformacional em vários cenários, como desempenho no trabalho, satisfação do empregado e inovação organizacional.

A liderança transformacional vai além dos estilos de liderança tradicionais ao focar não apenas na realização de objetivos e na manutenção do status quo, mas também em inspirar e motivar os seguidores a alcançarem seu potencial máximo. Líderes que abraçam esse estilo não são apenas gestores, mas também visionários que se esforçam para criar um ambiente de trabalho positivo e motivador.

 

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De forma mais concreta, a liderança transformacional possui quatro pilares. A dinâmica se inicia com a concepção de uma visão forte e a capacidade de comunicar essa visão de forma eficaz aos outros. Líderes carismáticos conseguem inspirar e mobilizar suas equipes para trabalhar em direção a um objetivo comum, criando um senso de propósito e direção. Este estilo de liderança não apenas impulsiona o grupo em direção à realização de metas, mas também fomenta um ambiente de trabalho coeso e motivado, onde cada membro se sente valorizado e parte integral do processo.

Outro aspecto crucial da liderança transformacional é a ênfase no tratamento individualizado. Líderes transformacionais dedicam tempo para compreender as necessidades e habilidades de cada membro da equipe, oferecendo suporte e orientação personalizados que contribuem para o desenvolvimento individual. Esse foco no crescimento pessoal dos membros da equipe não só ajuda a maximizar o seu potencial, mas também promove um ambiente de trabalho criativo.

Falando nisso, líderes transformacionais estimulam a criatividade e a inovação dentro de suas equipes ao desafiar o status quo e promover o pensamento crítico. Eles criam um ambiente onde novas ideias são bem-vindas e onde os membros da equipe se sentem livres para questionar práticas existentes. Esse estímulo à inovação é fundamental para o desenvolvimento de soluções criativas e para a superação de obstáculos de maneira efetiva.

 

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A motivação inspiradora é o quarto pilar da liderança transformacional. Líderes eficazes motivam seus seguidores estabelecendo padrões e expectativas elevados, ao mesmo tempo em que fornecem o suporte e o encorajamento necessários para alcançar e superar as expectativas. Eles lideram pelo exemplo e inspiram confiança e credibilidade em suas equipes, cultivando um ambiente de trabalho onde o sucesso é alcançado coletivamente.

Em última análise, a liderança transformacional procura ter um impacto profundo na organização e em seus membros. Por meio de sua visão, consideração individualizada, estímulo intelectual e motivação inspiradora, líderes transformacionais são capazes de influenciar mudanças positivas e impulsionar um desempenho excepcional.

Na minha experiência, a aplicabilidade desses pilares é particularmente relevante para a complexa dinâmica encontrada em instituições de ensino superior. A liderança transformacional apresenta-se como um estilo de liderança poderoso e pertinente, capaz de inspirar mudanças positivas e impulsionar um desempenho excepcional dentro dessas instituições. O pior que a liderança de uma IES pode fazer é entrar em conflito com seu corpo docente, afinal a qualidade dos programas e a satisfação de seus estudantes dependem desses colaboradores.

 

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No entanto, em muitos casos, não é isso que temos observado. Decisões unilaterais, processos de mudança que deixam o professor à margem dos rumos da organização, ambientes de trabalho excessivamente burocráticos e avessos à criatividade e à ousadia, desconfiança dos professores, todos esses são fatores que estão contribuindo para desengajar o corpo docente das propostas e da vida da instituição. No curto prazo, talvez a instituição perceba alguma vantagem processual em criar um ambiente de controle excessivo; no longo prazo, porém, os resultados cairão inevitavelmente, na medida em que um número cada vez maior de professores adotar a postura de entregar somente o necessário.

Portanto, na medida em que o ensino superior continua a evoluir, os princípios da liderança transformacional oferecem orientações valiosas para os líderes na superação de desafios e aproveitamento de oportunidades futuras. Ao adotar essa abordagem, líderes no âmbito educacional podem promover uma cultura de inovação, propósito e crescimento, criando, assim, um ambiente positivo e impactante tanto para a instituição quanto para seus integrantes.

 

Referências

(1) Gallos, J. V., & Bolman, L. G. (2021). Reframing academic leadership. John wiley & sons.

(2) Drucker, P. (1993). Post-capitalist society. Butterworth-Heinemann Ltd.

(3) Alessa, G S. (2021, November 10). The Dimensions of Transformational Leadership and Its Organizational Effects in Public Universities in Saudi Arabia: A Systematic Review. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.682092

(4) Transformational Leadership | Bernard M. Bass, Ronald E. Riggio | Tayl. (2006, August 15). https://doi.org/10.4324/9781410617095

 

Por: Alexandre Gracioso | 14/02/2024


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