Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

O poder e os benefícios da curiosidade

Desenvolver e fortalecer uma mente curiosa é um processo de disciplina, no qual deliberadamente resgatamos a capacidade da criança de aprender a explorar o mundo ao nosso redor

Curiosidade Alexandre Gracioso: "Curiosidade é considerada a base para a inovação e a criatividade"

Aproveitando que as inscrições para o 4º Prêmio de Inovação no Ensino Superior Prof. Gabriel Mario Rodrigues seguem abertas até o dia 30 de março, proponho, no artigo deste mês, uma reflexão especial sobre o papel da curiosidade em nossas vidas. Einstein considerava a curiosidade uma capacidade humana fundamental – e quem sou eu para questionar Albert Einstein –, a ponto de uma vez ter dito: “Eu não tenho nenhum talento especial. Sou apenas apaixonadamente curioso” (1). Brincadeiras à parte, essa declaração certamente posiciona a curiosidade como uma das qualidades mais valiosas que podemos possuir.

Claro que isso não deveria ser surpresa para nós, apesar de ser mais fácil falar do que praticar; quantas vezes me deparei com professores e professoras que haviam perdido a centelha infantil (no melhor dos sentidos, valorizando a curiosidade que impulsiona a criança a descobrir o mundo e se maravilhar diante do que percebe) da curiosidade e se limitavam a repetir o que haviam estudado anos antes. Mas a verdade é que a curiosidade é a centelha do aprendizado e nos empurra no sentido de descobrir o novo e na busca por respostas para as perguntas que nos fascinam. Essa busca incessante por conhecimento não apenas enriquece nosso entendimento do mundo ao nosso redor, mas também nos proporciona uma satisfação imensa e um senso de realização.

 

Benefícios pessoais e profissionais

A curiosidade é considerada a base para a inovação e a criatividade, facilitando que vejamos conexões onde outras pessoas enxergam barreiras. Igualmente interessante é que pessoas curiosas usualmente são mais resilientes e apresentam maior capacidade de adaptação a mudanças. Além disso, é sabido que a curiosidade fortalece até mesmo habilidades sociais, ao nos tornar mais empáticos e compreensivos com as perspectivas dos outros.

O escritor Scott Shigeoka, que se qualifica também como Consultor Criativo e Expert em Curiosidade, ilustra magnificamente como a curiosidade pode ser um motor de mudança significativa. Em um livro publicado recentemente (2) o autor mostra como indivíduos curiosos encontraram caminhos únicos de sucesso pessoal e também contribuíram para soluções inovadoras que enfrentam desafios globais. A mensagem é clara: ao cultivarmos nossa curiosidade, podemos não apenas transformar nossas próprias vidas, mas também exercer um impacto positivo no mundo ao nosso redor.

 

Curiosidade como estratégia de autodesenvolvimento profissional

Um dos termos mais utilizados atualmente em qualquer cenário profissional é o Lifelong Learning  aprendizado ao longo da vida –, que pode ser entendido como um processo contínuo, voluntário e automotivado de busca por conhecimento para fins pessoais, ou, nosso interesse específico neste artigo, profissionais. Esta aprendizagem pode ocorrer em diversos contextos e situações, assim como por diferentes razões e deve ser compreendida como uma jornada de expansão de nossas habilidades, conhecimentos e até mesmo comportamentos.

Notem que utilizamos os termos “voluntário” e “automotivado” na definição de Lifelong Learning. Por que incluímos essas palavras? Justamente porque a aprendizagem ao longo da vida não necessita de um espaço educacional formal para acontecer e, por causa disso, não possui o incentivo externo do desempenho objetivo em um curso. Sendo assim, cada um precisa se desafiar a se manter aprendente e a curiosidade, sempre ela, é força fundamental por trás dessa determinação.

Shunryu Suzuki, em seu livro Zen Mind, Beginner’s Mind (3), descreve, de forma poética e inspirada, a importância da mente curiosa e aberta. Diz ele: “Na mente do principiante, há inúmeras possibilidades; na mente do especialista, há poucas”. Certamente a minha experiência tanto pessoal quanto profissional está em linha com essa passagem. Quantas vezes observei colegas se colocando nessa posição de superioridade desinteressada. E mais do que isso, quantas vezes me flagrei nessa posição e tive que, com muita humildade, sair da minha redoma para me abrir ao novo. E o processo de se desapegar das certezas não é fácil, nem instantâneo, nem – talvez, principalmente – indolor. Mas é necessário, diria mesmo que é obrigatório.

 

Como desenvolver a sua curiosidade

Se a curiosidade é tão importante (e é), fica claro que devemos cultivar a nossa. De certa forma, desenvolver e fortalecer uma mente curiosa é um processo de disciplina, no qual deliberadamente resgatamos a capacidade da criança de aprender a explorar o mundo ao nosso redor. Aqui seguem algumas estratégias que podem ajudar nesse processo.

 

  • Se observe e mantenha a mente sempre aberta: encare o desconhecido não como algo a ser temido, que pode desequilibrá-lo, mas como uma oportunidade de aprendizado. Não caia na armadilha de se fechar para o novo;
  • Faça perguntas: quantas coisas bacanas deixamos de aprender porque tivemos medo de perguntar. Não tenha medo de admitir ignorância, cada pergunta é uma oportunidade para descobrir algo novo;

 

Leia: Estratégias de eficácia e efetividade para inovação

 

  • Explore novos interesses: meu sobrinho e afilhado, que hoje tem quase 40 anos e conseguiu superar esta postura, por muito tempo disse que ele não queria experimentar nenhum prato novo e que os pratos que ele gostava eram aqueles que tinha conhecido até a adolescência. Será que não temos a mesma postura quando alguém tenta nos explicar algo novo?
  • Se interesse pelas pessoas: Brian Grazer é um produtor muito bem sucedido de filmes em Hollywood. Em seu livro A Curious Mind: The Secret to a Bigger Life (4), ele destaca a importância de deliberadamente ter conversas de curiosidade, em que ele ia conhecer pessoas as mais variadas – famosas ou não-famosas, ricas ou pobres, estudiosas ou que não completaram nem o ensino fundamental – e dedicava tempo para conhecer realmente quem elas são e seus pontos de vista. Grazer argumenta que, ao cultivar a curiosidade e buscar encontros com pessoas de diversos campos e perspectivas, podemos enriquecer nossa compreensão do mundo e encontrar inspiração em lugares inesperados.

 

A mensagem que gostaria de deixar é que devemos transformar a curiosidade em uma prática diária, um hábito; esta é uma das maneiras mais eficazes de mantê-la viva. Isso pode ser tão simples quanto dedicar tempo todos os dias para aprender algo novo ou tão envolvente quanto embarcar em projetos de longo prazo que desafiam sua compreensão e habilidades. O importante é manter o espírito de questionamento e exploração, independentemente da forma que isso possa tomar.

Porém, para nós que escolhemos a educação como jornada, se autodesenvolver é insuficiente. Temos por missão também auxiliar nossos estudantes a ir ao encontro de seu potencial.


Como desenvolver a curiosidade intelectual de seus estudantes

O papel do docente é fundamental tanto na aprendizagem formal quanto na formação de hábitos saudáveis dos estudantes. Ao deliberadamente propor atividades que estimulem perguntas e exploração, professoras e professores podem ajudar a solidificar um gosto pela aprendizagem que irá durar toda uma vida. Aqui estão algumas estratégias eficazes para fomentar a curiosidade intelectual em alunos.

 

  • Crie um ambiente seguro em sala de aula e encoraje a participação: uma das maneiras mais diretas de desenvolver a curiosidade em estudantes é criar um ambiente de sala de aula que não apenas tolera, mas encoraja perguntas. Como docente, eu vivencio isso em minha sala de aula; eu demonstro muito interesse e respeito pelas opiniões e experiências de meus estudantes e eles correspondiam trazendo cada vez mais conteúdos para debate em sala. Sempre aprendi muito com os estudantes;
  • Seja um modelo da curiosidade que pretende despertar: o educador, a educadora, são líderes; mais, são líderes transformadores. Servem de modelo de comportamento e postura profissional e de vida para os estudantes. Compartilhe suas dúvidas, as perguntas que a mobilizaram ao longo de sua trajetória, interesses e curiosidades. Abrace, mesmo para os estudantes, a fragilidade de não saber tudo e de querer descobrir coisas novas;

 

Leia também: Tecnologia, comportamento jovem e 100 mil anos de evolução

 

  • Utilize estratégias pedagógicas como projetos de pesquisa e aprendizado baseado em problemas: projetos de pesquisa possibilitam que os estudantes desenvolvam suas próprias perguntas e interesses dentro do contexto maior da disciplina. A aprendizagem baseada em problemas, especialmente se forem problemas reais, contextualiza a aprendizagem de uma forma muito potente e desenvolve, no estudante, a capacidade de buscar soluções para o desconhecido;
  • Valorize e celebre a curiosidade: o ambiente acadêmico é acusado, não de forma totalmente injusta, de minar a curiosidade natural dos estudantes. Normalmente essa crítica é associada a falas sobre fomentar a busca pela única resposta correta. Penso que há espaço para ambas as posturas; há momentos, como discussões e apresentações, em que até mesmo o erro pode ser valorizado como exploração e haverá momentos mais formais em que os estudantes precisarão demonstrar o domínio de um determinado material. Me parece que podemos ser mais flexíveis na elaboração de nossos planos de aula.

 

Particularmente, penso que o desenvolvimento da curiosidade deveria ser incluído explicitamente entre os objetivos de nossas disciplinas e também no perfil de nossos egressos. Procuramos desenvolver bons profissionais, éticos, competentes, colaborativos e curiosos. A curiosidade é a chave para o crescimento pessoal e profissional; ao cultivá-la em nossos estudantes, estamos abrindo portas para um futuro melhor.

 

Referências

(1) Albert Einstein (2010). “The Ultimate Quotable Einstein”, p.20, Princeton University Press

(2) Scott Shigeoka (2023). Seek: How curiosity can transform your life and change the world, Balance

(3) Shunryu Suzuki (1970). Zen Mind, Beginner´s Mind, Shambhala

(4) Brian Grazer (2016). A Curious Mind: The Secret to a Bigger Life, Simon & Schuster

 

Ouça o podcast da revista

Por: Alexandre Gracioso | 26/03/2024


Leia mais

Jogos e aprendizagem

O uso de jogos na aprendizagem

+ Mais Informações
Convivência intergeracional

Como lidar com a convivência intergeracional na sala de aula

+ Mais Informações
IA

Estratégias éticas e responsáveis para integrar IA na educação

+ Mais Informações
Mapeamento da IA

Como mapear o uso da IA nas instituições de ensino

+ Mais Informações

Mapa do Site