Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

TeachTok: desafios do professor na era das redes

Risco de utilizar tecnologias digitais na sala de aula, seja por meio de plataformas, redes sociais ou inteligência artificial, está associado ao próprio letramento docente nestas áreas

TeachTok e a era das redes sociais

No divã: Helena Napoleon Degreas, professora, arquiteta e urbanista

Helena Napoleon DegreasSou Helena Degreas, arquiteta e urbanista de formação. Ao longo de minha jornada profissional, trabalhei em escritórios, construtoras e, principalmente, em ambientes acadêmicos, local em que encontrei minha verdadeira vocação. Passei por todas as áreas: gestão universitária, pesquisa, extensão e, por fim, a docência. Desde 2009, como atividade extracurricular, dedico-me ao uso das redes sociais como ferramenta educacional, incluindo meios de comunicação jornalística online, utilizando-me de colunas e artigos que objetivam colaborar na disseminação de pesquisas e boas práticas nas áreas de ciências urbanísticas e ambientais. 

 

Docência no divã #17: A resistência dos estudantes a métodos ativos

 

Venho observando de perto um movimento recente de profissionais da educação apontando uma série de restrições no uso das redes sociais como ferramentas direcionadas ao ensino e aprendizagem. O termo TeachToker surgiu com o início da pandemia e define criadores de conteúdo, muitos deles influenciadores educacionais com milhares de seguidores (qualquer pessoa interessada em aprender), que utilizam a plataforma TikTok para compartilhar conhecimento e ensinar, fora do ambiente acadêmico escolar, sobre diversos assuntos de forma envolvente e acessível. Muitos deles monetizam o seu trabalho. A discussão vale também para YouTube, Instagram, Twitter (X), Facebook, Pinterest, entre outros. Nossos alunos pertencem à era da comunicação digital, rápida, síncrona e assíncrona, navegam com seus avatares pelo mundo virtual e assistem às aulas imersos em uma metarrealidade por meio deles, localizados em modelos digitais que replicam seus ambientes escolares.

Como as novas tecnologias, incluindo as redes sociais e a inteligência artificial, estão transformando o papel dos educadores e a forma como o conhecimento é transmitido e adquirido?

Minha Frase: ensinar e aprender são dois lados da mesma moeda, e tenho a convicção de que a construção do conhecimento, sua aplicação e disseminação não se restringem ao espaço de uma sala de aula.

 

Conheça o livro do projeto Docência no divã

 

Na teoria

Olá, Helena. É admirável sua capacidade de conexão com os jovens, mantendo-se próxima das suas linguagens e mobilizando a tecnologia para o aprendizado.

Eu sempre acreditei que docentes foram e ainda são grandes influenciadores na sala de aula. Mesmo sem estar nas redes sociais, professores inspiram comportamentos, carreiras e estilo de vida.

Quando converso com professores, ao perguntar como escolheram a docência, não é raro afirmarem que seguiram a profissão por influência de algum professor excepcional que tiveram na escola ou universidade.

Eu também me lembro que, quando lecionava no curso de psicologia, por vezes era interpelada pelas minhas alunas, no início ou fim da aula, perguntando coisas que iam do nome do perfume que estava usando, à marca do meu batom, até como organizava minha carreira conciliando com a maternidade, por exemplo. Eu sabia que elas se inspiravam em coisas que eu fazia.

Com a oportunidade de potencializar nossa presença para outros espaços, como o virtual, é natural que muitos professores continuem expandindo esta influência. É muito comum o professor, ainda que não poste nada e tenha uma rede social, ser seguido por seus estudantes. Há uma curiosidade natural dos nossos alunos em saber o que fazemos nos fins de semana, o que gostamos de comer, como nos divertimos.

 

Docência no divã #16: Como desenvolver docência apoiadora e diminuir a competição 

 

Isso, por um lado, pode ser bom, pois evidencia o poder de influência que temos sobre estudantes e nos dá a oportunidade de estender a aprendizagem para além da sala de aula, mas também pode ser negativo, uma vez que a dificuldade de gerenciarmos nosso perfil “pessoal”, mantendo uma certa privacidade, se torna desafiador.

Já vi muitos professores administrarem diferentes perfis nas redes sociais para lidar com seus diferentes públicos. O problema é que está cada vez mais difícil separar essa vida “privada” da vida “pública”, ou nossa vida “pessoal” da “profissional”. Estamos com nossas identidades pulverizadas por conta das redes sociais, o que compromete, inclusive, a compreensão e análise do impacto das nossas ações e práticas nesses espaços.

Isso faz com que muitos professores fiquem em dúvida, inclusive, sobre seu papel e atuação profissional. Devemos adotar uma abordagem mais digital e ser menos analógicos? Mergulhar de cabeça no uso de tecnologias digitais, redes sociais e inteligência artificial ou liderarmos o time da resistência? Ser um “TeachToker” ou um professor de “lousa e giz”?

 

Docência no divã #15: Como tornar as metodologias ativas eficazes para jovens e adultos

 

A tênue linha que separa o analógico do digital, o amor e o ódio pela tecnologia, o dilema entre mergulhar de cabeça ou permanecer à margem, e a distinção entre o certo e o errado moldam um dos maiores desafios que enfrentamos como educadores.

O avanço das pesquisas sobre os impactos das tecnologias digitais na educação, as publicações recentes sobre o uso dos smartphones na saúde mental dos jovens e adolescentes e o movimento das instituições de ensino ao redor do mundo em bloquear os dispositivos pessoais durante as aulas têm dividido a opinião dos educadores.

Ao mesmo tempo que as pesquisas evidenciam os prejuízos na aprendizagem e a falta de dados sobre a efetividade do uso das tecnologias digitais, estamos vivendo em um mundo cada vez mais conectado, e o letramento digital ficaria a cargo de quem, senão das escolas e universidades?

O Relatório de “Monitoramento Global da Educação: a tecnologia a serviço de quem”, publicado pela Unesco no ano passado, por exemplo, explora o impacto da tecnologia na educação, destacando as evidências escassas sobre os benefícios das tecnologias na aprendizagem. Afirma que existem poucas evidências robustas sobre o impacto positivo da tecnologia educacional, e muitas delas são influenciadas por interesses comerciais, já que são produzidas pelas próprias empresas de tecnologias. Outro ponto de preocupação é que a tecnologia pode excluir mais pessoas do que incluir, especialmente em contextos de baixa renda, onde o acesso é limitado, a conectividade é ruim e os equipamentos são defasados. Citam ainda que muitos professores afirmam que as tecnologias digitais podem ser utilizadas para a aprendizagem em alguns contextos, mas que mais geram distração entre os estudantes do que aprendizagem em si.

 

Docência no divã #14: Como trabalhar a resistência docente diante do novo?

 

Este outro relatório do Banco Mundial, Revolução da IA na educação, por sua vez, traz nove inovações sobre o uso da inteligência artificial na educação, demonstrando experiências de uso em escolas e universidades e sinalizando mudanças significativas, não só sobre a forma como a aprendizagem pode ser potencializada com o uso da inteligência artificial, mas também na prática pedagógica dos professores.

Dentre elas estão programas que usam chatbots e IA para orientar e atrair professores, como o “Quiero Ser Profe”, no Chile, melhorando a orientação de carreira e a retenção de professores; ferramentas que fornecem feedback automatizado sobre a prática pedagógica, ajudando professores a melhorar suas aulas com base em dados de suas interações com os alunos; tutoria personalizada, ajustando as lições às necessidades individuais dos alunos e feedbacks em tempo real, aumentando o sucesso acadêmico.

Da mesma forma que o relatório anterior, apesar das inovações, o texto traz pontos de atenção similares, como: o aumento das desigualdades de acesso à educação, especialmente em áreas com infraestrutura tecnológica limitada; a privacidade no uso de dados pessoais de alunos e professores; o reforço de preconceitos existentes; as preocupações sobre plágios e autenticidade nos trabalhos acadêmicos; e professores que precisam de formação contínua para integrar a IA com eficácia em suas práticas.

E, neste ponto, gostaria de seguir nossa conversa, trazendo a sua provocação de como as novas tecnologias, incluindo as redes sociais e a inteligência artificial, estão transformando o papel dos professores.

 

Na sala de aula

O risco de utilizar tecnologias digitais na sala de aula, seja por meio de plataformas, redes sociais ou inteligência artificial, está associado ao próprio letramento docente nestas áreas. Estamos nos alfabetizando em IA, por exemplo, ou em outras plataformas recentes, ao mesmo tempo que nossos estudantes.

A falta de formação docente nesses recursos vem ampliando o abismo entre os que se recusam a utilizar recursos digitais e os que utilizam indiscriminadamente e de forma não intencional.

O fenômeno popular do TeachTok, por exemplo, tem transformado professores em minicelebridades na plataforma do TikTok. Seja construindo monólogos sobre os desafios da docência, as desculpas que recebem dos estudantes, compartilhando suas rotinas de preparação de aulas ou fazendo as “dancinhas” depois de perder uma aposta para a turma, professores têm ampliado sua conexão e relacionamento com os estudantes.

Na pandemia, o TikTok tornou-se uma ferramenta que ajudou muitos professores a engajar seus estudantes na aprendizagem. Centenas, ou até milhares de professores, utilizaram a plataforma para compartilhar vídeos didáticos, muitos deles divertidos e, por vezes, engraçados. Esse movimento também levou ao surgimento de professores que se tornaram influenciadores. Embora esses influenciadores com propósitos educacionais possam parecer inofensivos, a realidade não é tão simples.

 

Docência no divã #13: Como lidar com a convivência intergeracional na sala de aula

 

Na verdade, o TeachToker é um professor que, além de professor, utiliza suas redes sociais para obter um maior número de seguidores ou uma renda extra. Pablo Duchement, professor e especialista em direito digital, que cunhou este termo, define-os como aqueles professores com alma de influenciador e que, tentando aumentar seu alcance online, acabam explorando os alunos em suas redes sociais. Em um contexto em que muitos professores são mal remunerados e buscam novos recursos para ampliar suas estratégias de ensino, eles podem ser alvos de empresas que buscam influenciadores para promover suas marcas ou mesmo atrair mais engajamento dos adolescentes e jovens.

O problema são as questões éticas envolvidas, já que, quando há exposição do aluno, seja de sua imagem, de sua voz, de suas respostas, de seus dados, de seus resultados acadêmicos, com foco em ganhar seguidores ou popularidade, perde-se o propósito da aprendizagem.

 

Docência no divã #12: Como motivar os professores a aplicarem o que aprendem na formação continuada?

 

Essa linha tênue que separa a exploração da exposição coloca em xeque o trabalho de professores em plataformas como o TikTok. De um lado:

  • Professores conseguem gerar mais engajamento dos estudantes ampliando sua proximidade e promovendo um ambiente de aprendizado mais acolhedor;
  • A interface amigável e intuitiva permite que os TeachTokers apresentem conteúdo educacional de forma criativa, transformando o aprendizado em uma experiência mais envolvente por meio de vídeos curtos e rápidos;
  • Esses educadores ajudam a aumentar a confiança e as habilidades dos estudantes, criando um ambiente onde o aprendizado é tanto informativo quanto divertido;
  • Constroem comunidades educacionais, gerando um sentimento de pertencimento entre os educadores, que podem compartilhar recursos, apoiar-se mutuamente e trocar experiências de ensino.

 

Docência no divã #11: Como abordar as soft skills com os estudantes

 

Apesar dos muitos benefícios oferecidos pelos TeachTokers, essa nova forma de ensino também apresenta desafios. Um dos principais problemas é o potencial de disseminação de desinformação e conteúdo impróprio. Devido à natureza aberta do TikTok, os educadores precisam ser diligentes na verificação das informações que compartilham e na manutenção de um ambiente seguro e apropriado para todos os usuários. Dentre os desafios dessa prática estão:

  • Exposição indevida de alunos, já que muitos professores usam imagens, vozes ou trabalhos de alunos em seus vídeos, o que pode comprometer a privacidade dos estudantes e expô-los a riscos indesejados;
  • Questões de privacidade: com o compartilhamento de informações sobre alunos, mesmo que indiretamente, pode-se violar a proteção de dados e criar vulnerabilidades em ambientes educacionais;
  • Hipersexualização: em alguns casos, conteúdos que envolvem alunos podem contribuir para a hipersexualização, expondo jovens a olhares inadequados e perigos online, como o assédio virtual;
  • Conflito ético: ao lucrar com o conteúdo educativo, pode surgir um conflito ético, pois o foco passa a ser o crescimento de seguidores e a monetização, em vez do ensino propriamente dito. Isso pode transformar o aprendizado, comprometendo sua qualidade e autenticidade;
  • Assédio online: a exposição massiva nas redes sociais pode levar tanto professores quanto alunos a serem vítimas de assédio online, com consequências negativas para sua saúde mental e segurança;
  • Barreiras entre vida pessoal e profissional: o uso das redes sociais para ensinar pode romper as barreiras entre a vida pessoal e profissional do professor, prejudicando a relação pedagógica e desrespeitando a privacidade no ambiente educacional.

Com isso, visualizo que, ao mesmo tempo que temos muitas oportunidades de ampliar nosso impacto, potencializar a aprendizagem e facilitar o processo pedagógico, temos uma série de implicações e desafios que precisam ser mapeados e conhecidos pelos professores.

 

Docência no divã #8: Como motivar os estudantes na aprendizagem ativa

 

Garantir a formação continuada nesse sentido é fundamental para que esses recursos sejam utilizados da forma mais assertiva possível, sempre com foco na aprendizagem e no bem-estar dos estudantes.

Como sugestão de leitura, vou deixar este livro que acabou de ser publicado no Brasil: A geração ansiosa – como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. Apesar de não tratar da prática docente em si, a obra explora como a presença dominante das tecnologias digitais está contribuindo para uma crise de saúde mental entre crianças e adolescentes. O livro argumenta que o aumento da ansiedade, depressão e outros transtornos mentais nas gerações mais jovens está intimamente ligado ao uso excessivo de redes sociais e smartphones, que começou a crescer a partir do início da década de 2010.

Como educadores, precisamos nos equilibrar nesta linha tênue, nos apoiar em pesquisas e buscar conhecer profundamente os impactos das tecnologias digitais na nossa vida e na sala de aula, contribuindo para práticas mais claras e intencionais com nossos estudantes.

Espero tê-la ajudado.

Essa foi a Helena no Divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato e participe das próximas colunas.

 

Karina Nones Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior

Por: Karina Tomelin | 16/09/2024


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