Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

Como criar um ambiente inclusivo, acolhedor e respeitoso na sala de aula

Para que as práticas inclusivas tenham êxito, é preciso ir além das ações isoladas

Inclusão na sala de aula

No divã: Luciene Paiva, psicóloga e docente

Luciene PaivaMeu nome é Luciene Paiva, sou psicóloga e atuo voluntariamente em uma associação que oferece apoio a pais e pessoas autistas em Araxá, Minas Gerais. No dia a dia, encontro muitos desafios, e recentemente vivi uma situação com um dos pacientes que me fez refletir sobre como precisamos sempre buscar novas formas de ajudar.  

Quando vi a chamada para participar do Docência no divã nas redes sociais, pensei: “quem sabe não encontro uma orientação além do que já conheço pela literatura ou pelas experiências que vivemos na prática?” 

Uma dúvida que tem me inquietado é: Como trabalhar os colegas de alunos autistas? Como conscientizar esses estudantes para que convivam melhor e com mais empatia? 

Estou sempre aberta a aprender e evoluir, porque sei que o nosso trabalho faz a diferença na vida de quem atendemos.  É por isso que busco esse diálogo: acredito que juntos podemos encontrar melhores caminhos e fazer um trabalho ainda mais significativo com os autistas e suas famílias  que tanto precisam do nosso apoio.

 

Na teoria

Oi, Luciene. Fiquei muito feliz com este tema que trouxe para o divã. Isso porque, na minha atuação profissional, além do cuidado com a formação de professores, tive oportunidade de liderar a criação e organização de núcleos de apoio a estudantes em algumas universidades. Esta experiência me permitiu maior proximidade das dores dos professores e também entender um pouco mais sobre a complexidade dos processos de aprendizagem em diferentes contextos para estudantes com diferentes necessidades. 

Apesar de você trazer sua questão a partir de um transtorno específico, resolvi ampliar nossa discussão para além dele, olhando para outras necessidades, como a questão das deficiências, dificuldades de aprendizagem e saúde mental.  

Sabemos que o aumento da atenção à inclusão na educação é fundamental para promover a equidade na sociedade. Essa atenção é justificada, uma vez que a educação acessível e inclusiva é frequentemente apontada como um caminho para uma sociedade mais equitativa. A equidade, no entanto, envolve o tratamento justo de todos, assegurando não apenas o acesso igualitário, mas também a igualdade de oportunidades, o que não é tão simples de acontecer na sala de aula. 

Professores desempenham um papel fundamental na promoção da inclusão, é fato. E promover espaços de aprendizagens acolhedores, que favoreçam a interação social e diminuam as barreiras é imprescindível para garantir não somente o acesso dos estudantes à escola ou universidade, mas também sua permanência e conclusão de seus cursos.

 

Leia: Pessoas com deficiência impulsionam a pesquisa na universidade

 

Ocorre que, embora a importância da igualdade de oportunidades para educação seja amplamente reconhecida em legislações e relatórios para a transformação social, este tema ainda é relativamente recente e pouco explorado, principalmente no ensino superior.

No Brasil, por exemplo, a discussão da educação inclusiva no ensino superior vem se legitimando não só por dispositivos legais, como os instrumentos regulatórios dos Ministérios da Educação, a Política Nacional da Educação Especial e a Lei Brasileira de Inclusão, mas também pela democratização do acesso a esse nível de ensino por meio de políticas como o ProUni, o Fies e a Lei de Cotas, que inclui vagas para pessoas com deficiência nas instituições federais.

Além disso, a progressão dos estudantes com deficiência no ensino fundamental cresceu, favorecendo a conclusão do ensino médio e, consequentemente, aumentando a matrícula desse público no ensino superior.

Mas, apesar do crescimento contínuo das matrículas dos estudantes com deficiência nos últimos 10 anos, que corresponde a um aumento de quase 200%, ainda há muito o que fazer pela inclusão dos estudantes com necessidades educacionais específicas no que diz respeito a garantir não somente o acesso, mas também a permanência e conclusão em um curso superior.

 

Docência no divã #18 | TeachTok: desafios do professor na era das redes

 

Segundo dados do Inep, quando comparamos o número de estudantes de 2022 para 2023, tem-se um aumento de 16,93% de matrículas deste público. Um aumento significativo quando comparados com o crescimento total de matrículas na educação superior. A maioria destes alunos se concentram em cursos EAD, em que as barreiras físicas, comunicacionais, relacionais, por exemplo, são diminuídas.

Gráfico 1

Ainda assim, ao mapearmos os desafios enfrentados pelos professores, especialmente no ensino superior, para a criação de ambientes de aprendizagem mais inclusivos, independentemente da modalidade – seja presencial ou a distância – observamos fatores críticos, como:

  • Compreensão clara sobre o conceito de inclusão: a falta de clareza em relação ao público-alvo da inclusão pode confundir o professor quanto a quais estudantes necessitam de atendimento especializado. A inclusão vai além dos estudantes com deficiência, abrangendo também outros transtornos e especificidades. À medida que mais grupos são incluídos, professores menos experientes podem sentir insegurança sobre como abordar e implementar estratégias que promovam uma aprendizagem verdadeiramente inclusiva.

 

Podcast | Pessoas com deficiência na universidade – desafios e novas perspectivas

 

  • Falta de diagnóstico: estudantes adultos podem necessitar de apoio, mas muitas vezes suas necessidades não são visíveis para os professores. Isso ocorre porque diagnósticos podem não ser conhecidos ou compartilhados com a instituição, com os núcleos de apoio ou com as coordenações pedagógicas. Consequentemente, as necessidades desses alunos acabam não chegando aos docentes. Além disso, o acesso limitado dos pais ou familiares ao ambiente universitário contribui para o desconhecimento das demandas de estudantes que precisam de suporte especializado. A falta de processos,  canais de comunicação claros ou o excesso de burocracia também podem ser um impeditivo para a chegada destas informações até a sala de aula.  
  • Falta de apoio ou de equipe multidisciplinar na elaboração de planos de inclusão: para que a inclusão seja efetiva, é fundamental que os professores compreendam as necessidades dos alunos e promovam atividades e práticas que favoreçam o desenvolvimento de todos. Este não é um processo que pode ser feito de forma isolada, mas sim com o apoio de uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais internos e, em alguns casos, externos à universidade. Além disso, é essencial que os docentes recebam capacitação contínua para lidar adequadamente com estudantes que apresentam necessidades educacionais específicas.

 

Leia: O papel da universidade no acolhimento ao aluno

 

  • Resistência dos outros estudantes da turma: dependendo do perfil da turma, os professores ainda enfrentam dificuldades relacionadas à receptividade de outros alunos, que podem acreditar que colegas com deficiência ou outras dificuldades e transtornos “atrapalham” a aula e recebem “privilégios”, o que acaba por isolá-los da convivência. Esse tipo de resistência dificulta a construção de um ambiente realmente inclusivo.
  • Resistência dos próprios professores: em alguns casos, os professores demonstram uma atitude negativa em relação à inclusão, acreditando que a educação inclusiva pode comprometer a qualidade geral do ensino e aprendizagem. Além disso, há a crença de alguns professores que os estudantes são os únicos responsáveis pelo sucesso dos seus estudos, o que leva a uma postura mais passiva por parte dos docentes no que se refere à aprendizagem inclusiva.

 

Na sala de aula

A efetivação de práticas inclusivas, não é de responsabilidade somente do professor. Os desafios da inclusão envolvem o atendimento especializado e desenvolvimento de projetos e políticas educacionais voltadas ao apoio discente, com estratégias que promovam o desempenho acadêmico, assegurem a acessibilidade e incentivem a permanência dos estudantes na universidade. 

Para que as práticas inclusivas tenham êxito, precisamos ir além de ações isoladas. Deixei um passo a passo das etapas e mapeamento das principais ações para inclusão. Ele pode inspirar tanto professores quanto gestores a organizar estratégias que favoreçam a inclusão na sua instituição e sala de aula. 

Entrevista inicial

Quando o estudante é encaminhado ou procura espontaneamente a coordenação ou núcleo de apoio, é importante que seja realizada uma entrevista inicial, cujo principal objetivo é identificar suas necessidades. A partir dessa avaliação, um plano de ação personalizado deve ser elaborado em conjunto com o estudante. Além disso, encaminhamentos podem ser realizados e é fundamental o mapeamento destes serviços dentro da universidade como em outras instituições parceiras.

 

Encaminhamentos possíveis

Veja alguns dos possíveis encaminhamentos que podem ser adaptados conforme a realidade local: 

– Atendimento psicopedagógico: com foco em estabelecer rotinas de estudo, organizar conteúdos e receber orientações sobre facilitadores de aprendizagem.

– Serviço-escola de psicologia: instituições que oferecem cursos de psicologia possuem atendimentos por meio de suas clínicas-escola. Quando identificadas necessidades emocionais que impactam o desempenho acadêmico, o estudante pode ser encaminhado para esse serviço e acompanhado pelo setor.

-Aulas de reforço: professores especialistas podem oferecer reforço em conteúdos básicos necessários para a compreensão das disciplinas do curso. 

– Apoio de estagiários: cursos de licenciatura, psicologia e psicopedagogia podem utilizar o setor de apoio como campo de estágio. Os estudantes de graduação e pós-graduação desenvolvem projetos orientados por docentes em parceria com profissionais que atuam nestes núcleos.

– Monitoria entre pares: estudantes em semestres mais avançados ajudam colegas com dificuldades em conteúdos específicos. As vagas podem ser disponibilizadas por meio de  editais e supervisionado por professores.

 

Contatos

A comunicação constante com familiares, profissionais de saúde e, eventualmente, a escola de origem do estudante, para obter informações e promover um acompanhamento integrado pode ser fundamental:

– Família: reuniões com os pais para aproximá-los da universidade e compartilhar percepções sobre o desenvolvimento acadêmico.

– Equipe multidisciplinar: contato com profissionais de saúde (psicólogos, médicos, terapeutas) que acompanhem o estudante a mais tempo e possam ajudar a garantir um atendimento focado em estratégias que favoreçam a aprendizagem.

– Escola anterior: em alguns casos, é necessário contato com a equipe escolar anterior para levantar informações sobre práticas de inclusão e acessibilidade adotadas anteriormente.

 

Orientações

A conscientização sobre a inclusão não é um trabalho isolado. Ele perpassa estratégias de orientação a todos os atores da universidade. 

– Informativos de aprendizagem: materiais digitais para estudantes que oferecem dicas e orientações para autogestão dos processos de aprendizagem, em linguagem acessível e prática.

– Formação de equipes: capacitação de colaboradores que atuam no atendimento aos estudantes. Eles recebem treinamentos sobre inclusão e acessibilidade, especialmente quando novos alunos com deficiência ou necessidades educacionais específicas ingressam.

– Sensibilização da turma: práticas inclusivas voltadas à turma que recebe o estudante com necessidades específicas. São ações que incentivam a empatia entre os alunos, promovendo a interação e a quebra de barreiras atitudinais.

– Palestras: eventos sobre inclusão e diversidade, voltados para alunos, professores e a comunidade acadêmica, que reforçam e valorizam a inclusão e o direito das pessoas ao acesso à educação.

– Guias de acessibilidade: são manuais com orientações para docentes sobre como lidar com estudantes que têm deficiências ou transtornos, fornecendo estratégias pedagógicas inclusivas.

 

Acessibilidade

Na acessibilidade, observa-se estratégias para diminuir barreiras físicas, comunicacionais e digitais: 

– Ensalamento acessível: trata da alocação de turmas com estudantes de baixa mobilidade em salas no piso térreo.

– Mobiliário adequado: disponibilização de mobília adaptada conforme necessidade.

– Laboratório de informática adaptado: computadores equipados com softwares de acessibilidade e periféricos adequados.

– Banca especial no vestibular: formulários de inscrição permitem a solicitação de adaptações para estudantes com deficiência ou necessidades específicas.

– Tecnologias assistivas: disponibilização de recursos como leitores de tela, softwares de tradução para Libras e outros instrumentos tecnológicos que facilitam a aprendizagem.

 

Cursos e oficinas

– Oficinas de aprendizagem: instruções e práticas voltadas para estratégias de estudo e desenvolvimento da autonomia acadêmica.

– Minicursos online: cursos para auxiliar estudantes a superar dificuldades acadêmicas, com foco em raciocínio lógico, interpretação de texto e autogestão.

– Práticas meditativas: sessões de mindfulness oferecidas durante o período de provas para promover o bem-estar emocional dos alunos.

Estas são algumas estratégias que as instituições podem adotar para tornar seus espaços mais inclusivos. Para saber mais sobre o assunto, eu selecionei esta página sobre “estratégias de ensino inclusivo”, do Poorvu Center for Teaching and Learning, na Universidade de Yale. Ela oferece orientações e práticas para criar um ambiente educacional em que todos os alunos, independentemente de sua identidade, crenças ou preferências de aprendizado, possam participar plenamente. 

A proposta central é incorporar perspectivas diversas no currículo e promover um clima de sala de aula acolhedor e equitativo. Isso inclui estratégias de acolhimento, incluir leituras de autores de diferentes origens, promover discussões respeitosas sobre questões controversas e reconhecer o impacto de vieses implícitos nas interações.

Professores podem utilizar essas estratégias para adaptar a metodologia às necessidades dos alunos, assegurando participação ativa e acesso a oportunidades iguais de aprendizado. Sugestões incluem, ainda, a aplicação do design universal para aprendizagem, a coleta de feedback e suporte individual por meio de horários de atendimento e avaliações formativas. Essas práticas ajudam a cultivar uma cultura de pertencimento e respeito, melhorando o engajamento e o desempenho de todos os alunos. Espero que isso possa te ajudar. 

Essa foi a Luciene no Divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato e participe das próximas colunas. 

 

Karina Nones Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na revista Ensino Superior

Por: Karina Tomelin | 21/10/2024


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