Para que as práticas inclusivas tenham êxito, é preciso ir além das ações isoladas
No divã: Luciene Paiva, psicóloga e docente
Meu nome é Luciene Paiva, sou psicóloga e atuo voluntariamente em uma associação que oferece apoio a pais e pessoas autistas em Araxá, Minas Gerais. No dia a dia, encontro muitos desafios, e recentemente vivi uma situação com um dos pacientes que me fez refletir sobre como precisamos sempre buscar novas formas de ajudar.
Quando vi a chamada para participar do Docência no divã nas redes sociais, pensei: “quem sabe não encontro uma orientação além do que já conheço pela literatura ou pelas experiências que vivemos na prática?”
Uma dúvida que tem me inquietado é: Como trabalhar os colegas de alunos autistas? Como conscientizar esses estudantes para que convivam melhor e com mais empatia?
Estou sempre aberta a aprender e evoluir, porque sei que o nosso trabalho faz a diferença na vida de quem atendemos. É por isso que busco esse diálogo: acredito que juntos podemos encontrar melhores caminhos e fazer um trabalho ainda mais significativo com os autistas e suas famílias que tanto precisam do nosso apoio.
Oi, Luciene. Fiquei muito feliz com este tema que trouxe para o divã. Isso porque, na minha atuação profissional, além do cuidado com a formação de professores, tive oportunidade de liderar a criação e organização de núcleos de apoio a estudantes em algumas universidades. Esta experiência me permitiu maior proximidade das dores dos professores e também entender um pouco mais sobre a complexidade dos processos de aprendizagem em diferentes contextos para estudantes com diferentes necessidades.
Apesar de você trazer sua questão a partir de um transtorno específico, resolvi ampliar nossa discussão para além dele, olhando para outras necessidades, como a questão das deficiências, dificuldades de aprendizagem e saúde mental.
Sabemos que o aumento da atenção à inclusão na educação é fundamental para promover a equidade na sociedade. Essa atenção é justificada, uma vez que a educação acessível e inclusiva é frequentemente apontada como um caminho para uma sociedade mais equitativa. A equidade, no entanto, envolve o tratamento justo de todos, assegurando não apenas o acesso igualitário, mas também a igualdade de oportunidades, o que não é tão simples de acontecer na sala de aula.
Professores desempenham um papel fundamental na promoção da inclusão, é fato. E promover espaços de aprendizagens acolhedores, que favoreçam a interação social e diminuam as barreiras é imprescindível para garantir não somente o acesso dos estudantes à escola ou universidade, mas também sua permanência e conclusão de seus cursos.
Ocorre que, embora a importância da igualdade de oportunidades para educação seja amplamente reconhecida em legislações e relatórios para a transformação social, este tema ainda é relativamente recente e pouco explorado, principalmente no ensino superior.
No Brasil, por exemplo, a discussão da educação inclusiva no ensino superior vem se legitimando não só por dispositivos legais, como os instrumentos regulatórios dos Ministérios da Educação, a Política Nacional da Educação Especial e a Lei Brasileira de Inclusão, mas também pela democratização do acesso a esse nível de ensino por meio de políticas como o ProUni, o Fies e a Lei de Cotas, que inclui vagas para pessoas com deficiência nas instituições federais.
Além disso, a progressão dos estudantes com deficiência no ensino fundamental cresceu, favorecendo a conclusão do ensino médio e, consequentemente, aumentando a matrícula desse público no ensino superior.
Mas, apesar do crescimento contínuo das matrículas dos estudantes com deficiência nos últimos 10 anos, que corresponde a um aumento de quase 200%, ainda há muito o que fazer pela inclusão dos estudantes com necessidades educacionais específicas no que diz respeito a garantir não somente o acesso, mas também a permanência e conclusão em um curso superior.
Segundo dados do Inep, quando comparamos o número de estudantes de 2022 para 2023, tem-se um aumento de 16,93% de matrículas deste público. Um aumento significativo quando comparados com o crescimento total de matrículas na educação superior. A maioria destes alunos se concentram em cursos EAD, em que as barreiras físicas, comunicacionais, relacionais, por exemplo, são diminuídas.
Ainda assim, ao mapearmos os desafios enfrentados pelos professores, especialmente no ensino superior, para a criação de ambientes de aprendizagem mais inclusivos, independentemente da modalidade – seja presencial ou a distância – observamos fatores críticos, como:
A efetivação de práticas inclusivas, não é de responsabilidade somente do professor. Os desafios da inclusão envolvem o atendimento especializado e desenvolvimento de projetos e políticas educacionais voltadas ao apoio discente, com estratégias que promovam o desempenho acadêmico, assegurem a acessibilidade e incentivem a permanência dos estudantes na universidade.
Para que as práticas inclusivas tenham êxito, precisamos ir além de ações isoladas. Deixei um passo a passo das etapas e mapeamento das principais ações para inclusão. Ele pode inspirar tanto professores quanto gestores a organizar estratégias que favoreçam a inclusão na sua instituição e sala de aula.
Quando o estudante é encaminhado ou procura espontaneamente a coordenação ou núcleo de apoio, é importante que seja realizada uma entrevista inicial, cujo principal objetivo é identificar suas necessidades. A partir dessa avaliação, um plano de ação personalizado deve ser elaborado em conjunto com o estudante. Além disso, encaminhamentos podem ser realizados e é fundamental o mapeamento destes serviços dentro da universidade como em outras instituições parceiras.
Veja alguns dos possíveis encaminhamentos que podem ser adaptados conforme a realidade local:
– Atendimento psicopedagógico: com foco em estabelecer rotinas de estudo, organizar conteúdos e receber orientações sobre facilitadores de aprendizagem.
– Serviço-escola de psicologia: instituições que oferecem cursos de psicologia possuem atendimentos por meio de suas clínicas-escola. Quando identificadas necessidades emocionais que impactam o desempenho acadêmico, o estudante pode ser encaminhado para esse serviço e acompanhado pelo setor.
-Aulas de reforço: professores especialistas podem oferecer reforço em conteúdos básicos necessários para a compreensão das disciplinas do curso.
– Apoio de estagiários: cursos de licenciatura, psicologia e psicopedagogia podem utilizar o setor de apoio como campo de estágio. Os estudantes de graduação e pós-graduação desenvolvem projetos orientados por docentes em parceria com profissionais que atuam nestes núcleos.
– Monitoria entre pares: estudantes em semestres mais avançados ajudam colegas com dificuldades em conteúdos específicos. As vagas podem ser disponibilizadas por meio de editais e supervisionado por professores.
A comunicação constante com familiares, profissionais de saúde e, eventualmente, a escola de origem do estudante, para obter informações e promover um acompanhamento integrado pode ser fundamental:
– Família: reuniões com os pais para aproximá-los da universidade e compartilhar percepções sobre o desenvolvimento acadêmico.
– Equipe multidisciplinar: contato com profissionais de saúde (psicólogos, médicos, terapeutas) que acompanhem o estudante a mais tempo e possam ajudar a garantir um atendimento focado em estratégias que favoreçam a aprendizagem.
– Escola anterior: em alguns casos, é necessário contato com a equipe escolar anterior para levantar informações sobre práticas de inclusão e acessibilidade adotadas anteriormente.
A conscientização sobre a inclusão não é um trabalho isolado. Ele perpassa estratégias de orientação a todos os atores da universidade.
– Informativos de aprendizagem: materiais digitais para estudantes que oferecem dicas e orientações para autogestão dos processos de aprendizagem, em linguagem acessível e prática.
– Formação de equipes: capacitação de colaboradores que atuam no atendimento aos estudantes. Eles recebem treinamentos sobre inclusão e acessibilidade, especialmente quando novos alunos com deficiência ou necessidades educacionais específicas ingressam.
– Sensibilização da turma: práticas inclusivas voltadas à turma que recebe o estudante com necessidades específicas. São ações que incentivam a empatia entre os alunos, promovendo a interação e a quebra de barreiras atitudinais.
– Palestras: eventos sobre inclusão e diversidade, voltados para alunos, professores e a comunidade acadêmica, que reforçam e valorizam a inclusão e o direito das pessoas ao acesso à educação.
– Guias de acessibilidade: são manuais com orientações para docentes sobre como lidar com estudantes que têm deficiências ou transtornos, fornecendo estratégias pedagógicas inclusivas.
Na acessibilidade, observa-se estratégias para diminuir barreiras físicas, comunicacionais e digitais:
– Ensalamento acessível: trata da alocação de turmas com estudantes de baixa mobilidade em salas no piso térreo.
– Mobiliário adequado: disponibilização de mobília adaptada conforme necessidade.
– Laboratório de informática adaptado: computadores equipados com softwares de acessibilidade e periféricos adequados.
– Banca especial no vestibular: formulários de inscrição permitem a solicitação de adaptações para estudantes com deficiência ou necessidades específicas.
– Tecnologias assistivas: disponibilização de recursos como leitores de tela, softwares de tradução para Libras e outros instrumentos tecnológicos que facilitam a aprendizagem.
– Oficinas de aprendizagem: instruções e práticas voltadas para estratégias de estudo e desenvolvimento da autonomia acadêmica.
– Minicursos online: cursos para auxiliar estudantes a superar dificuldades acadêmicas, com foco em raciocínio lógico, interpretação de texto e autogestão.
– Práticas meditativas: sessões de mindfulness oferecidas durante o período de provas para promover o bem-estar emocional dos alunos.
Estas são algumas estratégias que as instituições podem adotar para tornar seus espaços mais inclusivos. Para saber mais sobre o assunto, eu selecionei esta página sobre “estratégias de ensino inclusivo”, do Poorvu Center for Teaching and Learning, na Universidade de Yale. Ela oferece orientações e práticas para criar um ambiente educacional em que todos os alunos, independentemente de sua identidade, crenças ou preferências de aprendizado, possam participar plenamente.
A proposta central é incorporar perspectivas diversas no currículo e promover um clima de sala de aula acolhedor e equitativo. Isso inclui estratégias de acolhimento, incluir leituras de autores de diferentes origens, promover discussões respeitosas sobre questões controversas e reconhecer o impacto de vieses implícitos nas interações.
Professores podem utilizar essas estratégias para adaptar a metodologia às necessidades dos alunos, assegurando participação ativa e acesso a oportunidades iguais de aprendizado. Sugestões incluem, ainda, a aplicação do design universal para aprendizagem, a coleta de feedback e suporte individual por meio de horários de atendimento e avaliações formativas. Essas práticas ajudam a cultivar uma cultura de pertencimento e respeito, melhorando o engajamento e o desempenho de todos os alunos. Espero que isso possa te ajudar.
Essa foi a Luciene no Divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato e participe das próximas colunas.
Karina Nones Tomelin
Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na revista Ensino Superior
Por: Karina Tomelin | 21/10/2024