NOTÍCIA
A partir das metodologias Design em Parceria – como vem sendo desenvolvida no departamento de artes e design da PUC-Rio – e Histórias de Vida, surgiu a Plurais
Publicado em 08/12/2025
Foto: Shutterstock
Favorecer o processo de inclusão no ensino superior das pessoas com deficiência tem sido o objetivo, há mais de duas décadas, de Renata Mattos Eyer, professora do Departamento de artes e design da PUC-Rio desde 1997 e supervisora da disciplina projetar em parceria. Ela também é coordenadora do Núcleo de Apoio e Inclusão da Pessoa com Deficiência, o NAIPD, da PUC-Rio, desde 2007, ano de sua fundação.
Mais do que favorecer a inclusão, Renata investigou como isso pode acontecer a partir da escuta atenta das pessoas com deficiência. A sua pesquisa de doutorado, fundamentada nas abordagens metodológicas Design em Parceria – como vem sendo desenvolvida no departamento de artes e design da PUC-Rio – e Histórias de Vida, constituiu a tese PLURAIS: o design no encontro entre olhares e vozes sobre o processo de inclusão no ensino superior das pessoas com deficiência, que culminará no lançamento da plataforma digital Plurais, em 2026.

Renata Mattos Eyer: a plataforma Plurais nasce para as interações (Foto: arquivo pessoal)
Renata graduou-se em desenho industrial na própria PUC-Rio nos anos 90. No início do curso encontrou um espaço de experimentação no laboratório do arquiteto e professor José Luiz Mendes Ripper, falecido este ano. “Perdida” na nova fase de vida, foi aconselhada por outro docente a procurar Ripper. “Cheguei no laboratório, ele estava fazendo uma pesquisa e puxava uma coisa na areia. Entrei e ele disse ‘me ajuda’. Quando vi tinha passado a tarde inteira fazendo algo.”
Ripper foi um dos professores pioneiros na metodologia do Design em Parceria, “em que se trabalha mais a partir da perspectiva da relação, da interação do projeto com os recursos e técnicas locais. Na ocasião, foi chamado de design social, termo que existe até hoje”, conta Renata.
“Começamos a chamar o design social de design participativo e, hoje, desing em parceria, ou seja, uma abordagem metodológica fundamentada na alteridade, no reconhecimento do outro como legítimo; fundamentada também no diálogo, na experimentação, na convivência com a outra pessoa.”
Na disciplina de design em parceria, os estudantes vão a campo para encontrar em grupos sociais a possibilidade de estabelecer uma convivência e, a partir dela, conceber um projeto de design. Uma perspectiva, ela afirma, que faz ressoar as palavras de Antônio Bispo dos Santos ou Nêgo Bispo, como também é conhecido o pensador, poeta e líder quilombola brasileiro. Assim, afirma: “preferimos o ‘envolvido’ ao ‘desenvolvido’.”
Foi no mesmo laboratório, ainda nos anos 90, que Renata conheceu Rosângela Berman, à época presidente do Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-Rio), uma organização sem fins lucrativos criada e gerida por pessoas com deficiência e que desde então é parceira da PUC-Rio.
“Rosana é uma pessoa tetraplégica. Ela chegou com uma uma órtese na mão, um objeto que ela usava para ajudá-la a digitar. Ela nos pediu para fazer algo como aquilo. Do ponto de vista técnico, tínhamos como fazer. Fizemos e entregamos para ela.” Depois de Rosângela, vieram outras pessoas, com demandas do tipo “gostaria de escrever sozinha, passar blush sozinha”, relata a pesquisadora.
A parceria da CVI-Rio e da PUC-Rio possibilitou a criação de uma oficina no laboratório do professor Ripper. “Rosangela conseguiu recurso de uma organização internacional. Tínhamos a pesquisa acontecendo no seu tempo próprio de desenvolvimento e a oficina de tecnologia assistiva, para responder às demandas trazidas pelas pessoas com deficiência de uma maneira mais rápida”, relata Renata. As oficinas foram tema de seu mestrado.
A partir daí, conta, a PUC-Rio deu início a anos de trabalho com o que hoje se chama tecnologia assistiva – há 30 anos não havia esse nome. “Minha habilitação foi em design de produto, mas, naquela época, fazer uma garrafa térmica, por exemplo, não fazia sentido para mim. Fui descobrindo que me encantava estar com as pessoas e, a partir da relação com elas, descobrir o que faziam e como faziam, e não pensar o objeto pelo objeto. Eu me encontrei nessa história sem ter ideia de que um dia trabalharia com isso, muito menos que a vida inteira estaria envolvida nessa área. O que me encantou foi a riqueza da diversidade humana.”
Para o doutorado, Renata ouviu 18 histórias de vida, além de depoimentos de professores. “Alguns autores tratam dessa abordagem. Minha base foi Marie Christine Josso, uma pesquisadora francesa.” Em sua tese, Renata destaca:
“Para Josso (2020), a experiência é construída no ‘lugar da interseção das curvas sinusoidais entre a singularidade de cada percurso e a alteridade emergente de todos os cursos compartilhados’. Contar as histórias de vida é uma atividade que demanda envolvimento emocional, engajamento, atenção, escuta, respeito e cuidado com as pessoas envolvidas. Com as histórias de vida a intenção é, a partir da escuta e do diálogo, reunir experiências, refletir e revelar o modo como os estudantes agem, pensam, sentem e se relacionam no ambiente universitário.”
O NAIPD recebe alunos com necessidades educacionais específicas, um leque amplo. Para o doutorado, Renata fez o recorte de pessoas com deficiência – física, auditiva, visual e intelectual. Em 2018, a pesquisa teve início com o acompanhamento de seis alunos com diferentes deficiências, todos de uma única turma. “Usei algumas técnicas de pesquisa; aqui, foi a da observação”, pontua.
Com a pandemia e o cancelamento das aulas presenciais, preocupada com o uso da plataforma digital pelos alunos cegos, surdos e com baixa visão, Renata elaborou um questionário. Em seguida, fez contato com os respondentes e sugeriu a participação num grupo foco, “um grupo de convivência, com encontros uma vez por semana, para conversar e interagir”.
“Foram cerca de 12 encontros com esses alunos. Inicialmente eram seis, no final eram quatro alunos. Os primeiros encontros foram para ouvi-los, depois comecei a gravar, fomos pensando juntos. Baseada na metodologia do design em parceria, comecei a reunir as palavras que eles falavam, e a devolvê-las.”
Renata também começou a fazer uma ponte entre esses alunos e as falas de professores que ela havia entrevistado antes da pandemia, acerca da lida com estudantes com deficiência. “Foi quando saiu uma pista que seria interessante ter um lugar onde compartilhar as experiências”, relata.
Um novo convite foi enviado para 66 alunos com deficiência, entre os que tinham se formado nos últimos cinco anos, os que estavam no meio do curso e no início do curso. “Tive sorte, a amostragem foi diversa. Se interessaram em fazer a entrevista pessoas com deficiência física, baixa visão, cegos, com deficiência auditiva. E pessoas já formadas, no início do curso e no meio do curso.” As 18 entrevistas têm de 30 minutos a mais de duas horas.
“Identificamos com esses encontros e entrevistas o interesse em ter um espaço em que se compartilham experiências.” Assim, no capítulo 6 de sua tese, Renata detalha a concepção – em parceria – da plataforma. E traz as expectativas dos entrevistados (os nomes são fictícios):
“Acho importante falar como cada um trabalha, como cada um lida com a sua deficiência, para mostrar para as pessoas que a gente é capaz de fazer, mas de uma forma diferente. (Janaína)
Falar das experiências, de como cada pessoa faz. Criar um material que talvez eu veja, nas coisas que uma outra pessoa faz, coisas que eu nunca fiz antes e que talvez eu possa fazer. E que me ajudem. Acho que isso também é um jeito para os alunos verem como os outros fazem e isso pode ajudar. (Maitê)
Eu vejo de dois ângulos. Uma comunicação de convivência, com as pessoas com algum tipo de deficiência na universidade. Também vejo o lado daqueles que são pessoas com deficiência e ainda não têm informações de como proceder dentro da universidade […]”
Ainda em ajustes, Plurais entra no ar em 2026 para a comunidade acadêmica da PUC-Rio. Renata espera, em breve, ter um olhar investigativo para os estudantes com transtorno do espectro autista (TEA). O crescimento do número de estudantes com TEA na PUC-Rio é exponencial, afirma. “Temos muito o que aprender.”
Parte da pesquisa de Renata compõem o artigo “Experiências de inclusão no ensino superior das pessoas com deficiência na soma das vozes de estudantes e professores”, publicado no livro Lugares educativos em pertencimento e colaboração, da Rio Books, Teias e Faperj, a ser lançado em 2026.
A tese PLURAIS: o design no encontro entre olhares e vozes sobre o processo de inclusão no ensino superior das pessoas com deficiência pode ser acessada em: https://sucupira-legado.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=13702715