NOTÍCIA
Desafios e limites no âmbito do ensino superior estadunidense
Publicado em 28/10/2025
Equilibrar a defesa da liberdade de expressão e a necessidade de proteger o bem-estar emocional dos estudantes são dilemas enfrentados pelas IES (ilustração: Shutterstock)
Por Marina Feferbaum, Clio Nudel Radomysler, Enya Carolina Silva da Costa, Heloisa Salles Camargo e Mitiko Nomura
Em um contexto de crescente polarização e debates acalorados, o papel da universidade como espaço de formação integral enfrenta a crise do bem-estar estudantil. Longe de ser apenas uma questão individual, a saúde mental dos estudantes de ensino superior tornou-se pauta que dialoga com todos os sujeitos do ensino, dado os altos índices de estresse, ansiedade e depressão.
Essa é uma das dimensões exploradas pela pesquisa “Abertura ao diálogo em universidades de referência: contextualização, desafios e boas práticas”, desenvolvido pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getulio Vargas (CEPI-FGV Direito SP) com apoio da Fundação Lemann. A análise aprofunda como o cenário atual de tensões e desafios ao diálogo impacta diretamente a saúde mental e o suporte demandado pela comunidade universitária.
O conceito de bem-estar no ambiente universitário vai além da simples ausência de doenças. Embora não haja uma definição única, o entendimento mais aceito inclui diversas dimensões: subjetivas (como a satisfação pessoal), objetivas (relacionadas a necessidades básicas e direitos) e cívicas (ligadas à contribuição para a comunidade).
Estudantes estão constantemente sujeitos a múltiplos fatores de risco que afetam as diferentes dimensões, como o estresse acadêmico, a discriminação, as condições materiais para estudarem, e a falta de senso de pertencimento à instituição.
O impacto do estresse e da exclusão é sentido de forma desproporcional por grupos socioeconomicamente vulnerabilizados e marginalizados. Estudantes que pertencem a minorias sociais (por marcadores sociais da diferença ou condições materiais) enfrentam riscos e desafios de bem-estar significativamente maiores, em função da discriminação e exclusão dentro e fora do campus. É evidente, por exemplo, o impacto em estudantes negros de instituições de ensino cujo corpo docente e discente seja predominantemente branco (Predominantly White Institutions – PWIs). A pesquisa identificou um levantamento apontando que mais de 50% desses estudantes consideravam a universidade um “lugar frio e indiferente”.
Outro levantamento analisado pela pesquisa identificou que estudantes do gênero feminino têm 10 pontos percentuais a menos de probabilidade de sentir que pertencem à instituição do que os estudantes do gênero masculino.
Ainda, no que tange à diversidade sexual, estudos demonstram uma correlação significativa entre a discriminação no campus e o aumento de casos de depressão em estudantes LGBTQIA+.
A polarização política crescente, sobretudo nos EUA, intensifica esse quadro, afetando a saúde física e psicológica dos estudantes e levantando debates quanto aos limites da liberdade de expressão.
Nesse cenário, a universidade se depara com um dilema: como equilibrar a defesa da liberdade de expressão e a necessidade de proteger o bem-estar emocional dos estudantes? O debate se acirra em torno de medidas como o uso de “espaços seguros” (safe spaces) e “avisos de gatilho” (trigger warnings).
De um lado, argumenta-se que essas ferramentas são essenciais para proteger a saúde mental de grupos que já enfrentam discriminação estrutural. De outro, há críticas de que essas medidas seriam excessivas e “infantilizadoras”.
A partir dessas perspectivas, entendemos que é fundamental que estudantes interajam com argumentos e falas contrárias, desenvolvendo resiliência, mas que esse processo deve ocorrer dentro de um limite de estresse.
Para grupos vulneráveis, que vivenciam maiores adversidades fora da sala de aula, esse limite é frequentemente extrapolado. Desconsiderar as estruturas discriminatórias que permeiam a sociedade é desconsiderar que esses estudantes chegam ao campus com diferentes necessidades e níveis de sensibilidade ao debate.
Em última análise, as preocupações com o bem-estar devem estar no centro do debate sobre os limites da liberdade de expressão no ambiente universitário, levando em conta as dimensões sociais, econômicas e políticas que impactam a vivência dos estudantes. Cultivar o diálogo construtivo e proteger a integridade da comunidade acadêmica são faces da mesma moeda para que as universidades cumpram seu papel essencial no momento atual.
Feferbaum, M. (Coord.), Radomysler, C. (Lid.), Costa, E., Salles, H., & Nomura, M. (2024). Abertura ao diálogo em universidades de referência: análise de evidências. São Paulo: FGV Direito SP – CEPI. Disponível em https://repositorio.fgv.br/items/355430be-b4d8-48e4-b3f4-3088c7febf24