NOTÍCIA
Professores brasileiros atingem o nível intermediário em competência digital, segundo a Metared. A pandemia acelerou a utilização de modelos virtuais. O ensino ganha com isso
Publicado em 22/07/2021
Como anda a competência digital do docente do ensino
superior?
Para Marco Antonio Garcia de Carvalho, coordenador de tecnologia educacional da
Metared, e professor da Unicamp, anda muito bem. Ele diz isso a partir do
resultado da pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Semesp e a Metared, e
que ouviu 3.122 professores, ou seja, quase 1% da categoria, o que
estatisticamente é expressivo, não fosse o fato de que ela forneceu uma
amostragem por adesão; por conta disso não tem representatividade estatística,
diz ele.
Quase 80% dos docentes brasileiros estão num nível de competência digital intermediário, avaliado pelo arcabouço teórico global da Metared e que lista 22 competências digitais que o educador deve ter.
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Segundo Carvalho, a União Europeia vinha trabalhando para definir o que era competência digital e em 2017 lançou um relatório que virou o modelo, apresentando 22 competências relevantes do ponto de vista do educador. “É um modelo bem completo, que trata da interação do professor com seus colegas, com os alunos e leva em conta também quem motiva e engaja o aluno para que desenvolva suas competências digitais.”
No Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), de Lorena, interior de São Paulo, para chegar a essa fase foi necessário um processo que começou organicamente, por meio das trocas que os professores faziam entre si e, num segundo momento, a instituição passou a investir na formação específica dos docentes em programas de gestão de aula, por exemplo. “No início, muitos me ligavam porque não sabiam como lidar, mas melhoraram. Conseguimos avançar gradualmente De repente, eles aprenderam a utilizar curadoria do YouTube, editar vídeos”, conta Diego Amaro de Almeida, coordenador do curso de História da Unisal e consultor sobre metodologias e tecnologias.
O coordenador da Metared lembra que toda a coleta de dados foi feita no período da covid-19, então, noutra circunstância, os resultados poderiam ser diferentes, com um nível de competência mais baixo. Carvalho esclarece que há um modelo de progressão que se utiliza da escala dos idiomas: A1, A2, B1, B2, C1 e C2. “A segurança nos resultados leva em conta que há uma plataforma computacional validada na Europa.
Trata-se de um processo de autoavaliação, quer dizer, é a percepção do docente frente a ele mesmo. Não há um teste direto. Pergunta-se ao professor se ele acha que tem determinada competência, num processo de percepção, de autoavaliação das suas competências.” Na Universidade de Brasília (UnB) o investimento em capacitação se deu não só para os docentes como também para os outros departamentos, por meio do Centro de Educação a Distância (CEAD), um braço da UnB que atua sobretudo em formação EAD, mas também em diversos programas voltados para alunos, colaboradores e docentes.
Um desses programas é o projeto Rotas de Inovação Universitária (RIU), que incorpora o professor na cultura digital e promove fóruns e vídeoaula para a competência digital docente. Todo o material está aberto ao público e disponível em playlist no canal do CEAD no YouTube. Carvalho lembra que há instituições que conseguem ter uma política de formação docente regular, e que a covid-19 acelerou, contribuiu para esse crescimento da capacitação digital do docente. “Na Unicamp, utilizamos ambientes virtuais de aprendizagem desde 1997.
O professor querendo ou não tem que utilizar o espaço virtual para trabalhar. Incentivamos para que esse processo cultural se consolide. E olha que já fazemos isso há mais de 20 anos.”
Ricardo Fragelli, doutor em ciências mecânicas e professor do curso de Engenharia da UnB, se coloca como líder na régua de progressão das competências digitais identificadas na pesquisa. Ele atua na formação de professores em metodologias ativas para a educação online e promove lives de conversas, fóruns e vídeo-aulas em seu canal no YouTube, o Fantasticalizando – trabalho que realiza junto com a esposa, que também é professora. No canal é possível encontrar vídeo-aula para roteirização, gravação e edição de vídeos, sugestões de ferramentas digitais, entre outros.
Carvalho, da Metared, chama atenção para um fato constatado pela pesquisa. Se 77% dos docentes estão no nível intermediário, por outro lado 32% dos professores acham que os recursos digitais foram importantes para aperfeiçoar o ensino, ou seja, quase 70% parecem não estar convencidos de que o recurso digital é importante. “Então há muita coisa para fazer, e não ter uma política nacional definida para competência digital provoca uma oferta de cursos que normalmente oferecem mais do mesmo.”
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Cerca de 80% dos docentes se envolveram com o uso de ferramentas para realizar avaliação, para ver o progresso dos estudantes na sua disciplina no formato online emergencial. Alguns são de EAD, mas esses já têm uma plataforma. E passaram a fornecer feedback no formato digital. “Olha só a quantidade de transformação que está envolvida para alguém que não trabalha no virtual. Muita gente fez várias adaptações nesse processo, e mesmo não sendo do ensino virtual, passaram a dar feedback no formato digital de todas as maneiras – blogs, áudio que grava e manda para o aluno”, acrescenta Carvalho.
No meio de tanto aprendizado adquirido com a evolução da capacidade digital, professores ainda esbarram no desafio de avaliar. Como fazê-la de forma efetiva remotamente é um ponto que os docentes ainda estão tentando encontrar no conjunto das novas práticas. “Alguns professores fazem por vídeo, no qual o aluno tem que explicar o conteúdo absorvido.
Quem trabalha com projetos tem outro tipo de avaliação que não é como uma prova, é algo que vai mais para o caminho das competências, para ver se o aluno consegue aplicar o que foi aprendido”, exemplifica Fragelli, da UnB. Marco Antonio Carvalho diz que há um longo caminho pela frente.
A Metared tem menos de dois anos no Brasil e o estudo foi justamente para marcar uma entrega para a comunidade acadêmica, algo que pudesse ser uma leitura do momento digital dos professores. “As competências digitais são muito importantes para o que se chama de educação 4.0, educação para o século 21”, diz ele.
A UnB e Unisal também tiveram outro desafio que foi e a resistência de alguns professores na adesão ao novo formato de ensino. “Por uma questão cultural, alguns não veem isso como um modelo de aula”, aponta o coordenador Diego Amaro, da Unisal. Mas, por causa da falta de opções, tiveram de se sujeitar mesmo que relutantes. “Nosso docente se adapta, mas quando falta o conhecimento é difícil se adaptar, porque existe uma insegurança.” E se engana quem pensa que essa atitude parte de professores mais velhos.
Para algumas universidades, a resistência não surge de professores mais velhos e nem o envolvimento com o ensino online tem a ver com a idade. Na pesquisa, entre os mais de três mil professores entrevistados, a minoria possui entre 50 e 59 anos (22,6%) e aqueles com mais de 60 (9,6%).
E entre todas as idades, 54,4% concordam totalmente que sabem usar a internet de forma competente. Logo, é possível deduzir que, como minoria, os professores mais velhos também representam a menor parte em mais da metade dos docentes que dizem usar ou que passaram a usar a internet efetivamente. “A pandemia foi o empurrão para evoluirmos uns 10 anos nesses quesitos”, finaliza Ricardo Fragelli.
No que isso pode resultar? Carvalho responde: “Isso é bom do ponto de vista do docente, que pode vislumbrar uma maneira de evoluir na competência digital, mas é bom sobretudo para a instituição universitária estabelecer uma política de formação docente”. O primeiro passo é fazer um diagnóstico, porque esse mapa de competência permite dizer para a IES quais pontos devem preocupá-la no processo de formação dos seus docentes.
Na pesquisa foi perguntado aos professores, em dois momentos diferentes, como eles classificavam sua competência digital. Mais da metade acredita estar no nível integrador-especialista, que são aqueles que já não só utilizam significativamente as novas tecnologias no ofício, como também criam estratégias por meio delas e buscam diversificação das ferramentas e plataformas.
Nesse sentido, o corpo docente da Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP) pode afirmar estar realmente nesse nível. Segundo o pró-reitor Wagner Sanchez, o mindset de seus professores é mais aberto e atualizado nesse aspecto, desde antes da pandemia, por conta da vocação da FIAP pela inovação e tecnologia. Como todas as IES, a FIAP também teve de adaptar o modelo de ensino presencial para o remoto. “Investimos na capacitação para o novo modelo. Escolhemos uma ferramenta para gestão de aula e capacitamos os docentes. O formato acadêmico e pedagógico já estava impregnado em nossos professores”, conta.
Sanchez ainda enfatiza que professores utilizaram lousa eletrônica, tablet e ainda um outro, da disciplina de robótica, passou a utilizar três câmeras em suas aulas. Para o coordenador da Metared, uma pesquisa como essa permite acender o debate. A repercussão está sendo bastante interessante. No mês de maio, Carvalho teve reuniões com as universidades federais, estaduais e municipais que têm interesse em aplicar essa pesquisa.
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