Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

A resistência dos estudantes a métodos ativos

Abordagens ativas preveem forte interligação entre o conhecimento e o conhecedor, e não dar condições para que os estudantes conheçam sobre o assunto antes de mobilizá-lo será frustrante e ineficaz

Resistência dos estudantes O professor precisa se adaptar e responder às necessidades dos estudantes em tempo real, aceitando as contribuições, conectando com os objetivos da aula sem perder o critério de sucesso estabelecido para a aprendizagem

No divã: Milena Nascimento, professora, cientista social e coordenadora pedagógica no Centro Universitário de Valença – UNIFAA

Milena Nascimento

Olá, meu nome é Millena Nascimento, e uma característica marcante sobre mim é a paixão pela sala de aula, aquela que vai além das quatro paredes. Desde pequena, sempre me maravilhei com o ato de aprender, um fascínio que cresceu ao longo da vida e moldou minha formação como pessoa. Essa paixão me envolveu ativamente com a sala de aula,  como aluna e docente, um lugar no qual adoro permutar papéis. Essa troca de experiências fortaleceu a relação afetuosa com cada descoberta acadêmica e com professores que cruzaram meu caminho, o que fortaleceu o desejo de seguir carreira na educação. A sala de aula não é apenas um espaço físico. É um ambiente dinâmico de aprendizado e interação, onde a expressão do sujeito no mundo se manifesta de forma genuína. Minha formação como cientista social me faz ver a sala de aula como um espaço de autoconhecimento, onde buscamos desenvolver a conexão com o mundo ao nosso redor e auxiliar os alunos a se enxergarem como sujeitos ativos nesse processo.

 

Leia: Estratégias educacionais para salas de aula colaborativas

 

Essa bagagem me preparou para assumir a coordenação pedagógica no setor de formação docente do Centro Universitário de Valença – UNIFAA. Ofereço apoio aos colegas docentes e acompanho de perto a implementação da curricularização da extensão do currículo acadêmico. Além disso, recentemente assumi a posição de docente nessas disciplinas, para aprofundar meu entendimento sobre suas dinâmicas e aprimorar os processos de engajamento dos alunos e professores, especialmente com o uso da metodologia Challenge based learning.

Apesar dos avanços, enfrentamos desafios significativos, especialmente na modalidade digital, em que muitos alunos ainda preferem o método expositivo tradicional. Como podemos promover uma participação mais ativa e significativa nesses projetos, incentivando os alunos a explorar e aplicar o conhecimento de maneira prática e engajada?

Uma frase: “educação não transforma o mundo. Educação transforma pessoas. Pessoas transformam o mundo”, de Paulo Freire

 

Na teoria

Olá, Millena. Obrigada por escrever e contar sobre suas paixões para além das quatro paredes. Já conversei um pouco com o professor Jefferson sobre a dor que você trouxe para o divã. No texto, destaquei a importância da autoridade docente, do reconhecimento da ciência da aprendizagem e da necessidade de demonstrar evidências do impacto positivo das metodologias ativas para superar resistências e melhorar o desempenho acadêmico.

Agora vou aprofundar um pouco mais com algumas pesquisas realizadas sobre a resistência dos estudantes a métodos ativos. Há diversos estudos que levantam diferentes perspectivas sobre os motivos que levam os  estudantes adultos a apresentarem  resistências.

Vamos identificá-las para depois descobrir como agir enquanto professores na condução destas metodologias. 

A aprendizagem ativa pode ser definida como “qualquer método instrucional que envolva os alunos no processo de aprendizagem”  (Andrews et al., 2022). Costumamos destacar que, no método ativo, os estudantes são protagonistas no processo de aprendizagem, interagem, por diversas formas, com o objeto do conhecimento. Nesta abordagem, os professores têm como papel criar conexões entre o ambiente de aprendizagem, que muitas vezes envolvem a participação ativa de todos os estudantes da classe e seus processos metacognitivos, desenvolvendo competências colaborativas e de pensamento crítico.

 

Docência no divã #16: Como desenvolver docência apoiadora e diminuir a competição 

 

Ocorre que o tipo de ensino arraigado na maioria das nossas vivências escolares e está preso a memórias mais profundas da sala de aula, é o tradicional. Geralmente, o que os estudantes esperam é uma aula tradicional, convencional, previsível. Sem sair da zona de conforto, em que a atuação discente seja marcada pela observação passiva, pouco gasto energético e pouca carga cognitiva.  

E esta visão não é só dos estudantes. Muitos professores universitários acreditam que a docência no ensino superior seja marcada por palestras e aulas magistrais, em que a eficiência do processo de ensino e aprendizagem está diretamente relacionada à qualidade retórica, remetendo aos seus próprios anos de estudantes.  

No entanto, apesar de existirem vários estudos que comprovem a eficácia dos métodos de ensino ativos em comparação com os métodos tradicionais, a resistência ao método ativo ainda é comum. Nem todos abraçam a ideia, e entender como as resistências funcionam é fundamental para lidar com elas. 

Em um estudo realizado por Tino (2020), conseguimos analisar de forma integral como fatores pessoais e contextuais influenciam a resistência dos estudantes a estratégias ativas de aprendizagem. A pesquisa discute como essas resistências podem ser compreendidas em termos de fatores internos dos estudantes, como crenças e experiências anteriores, e fatores externos, como o ambiente de sala de aula e a abordagem pedagógica utilizada pelo professor.

 

Docência no divã #15: Como tornar as metodologias ativas eficazes para jovens e adultos

 

Ao observar as crenças ou razões do ponto de vista dos estudantes, a autora observa abordagens superficiais de compreensão da aprendizagem, como: ser reduzida a uma experiência passiva em que o estudante se vê como aquele que recebe e “absorve” o conteúdo pronto.  Portanto, ela indica quatro fatores principais: 

  • Aumento da carga cognitiva dos estudantes: a carga cognitiva é o esforço que impomos à memória de trabalho para realizar uma tarefa ou aprender algo. Em uma abordagem tradicional, o estudante manipula uma quantidade restrita e controlada de informações, como o que o professor está falando. Apesar de nem sempre o conteúdo ser acessível, ou as estratégias de comunicação serem claras, o esforço pode ser mascarado, já que exige do estudante apenas ouvir. Quando inserimos estratégias ativas, há um aumento das informações que serão manipuladas na memória de trabalho, como os conceitos abordados, o comando da atividade, a organização dos próximos passos e a interação com outros colegas, exigindo, assim, um esforço maior da memória de trabalho. 

 

  • Ansiedade e desconforto em relação à habilidade exigida pelo desempenho: refere-se ao sentimento de insegurança ou tensão que os alunos experimentam quando confrontados com atividades de ensino que exigem habilidades específicas. Esse desconforto pode surgir da percepção dos alunos de que não possuem as competências necessárias para executar as tarefas propostas de maneira eficaz, o que pode levá-los a resistir ou evitar essas atividades, como ter que falar em público, produzir um portfólio digital, interagir com a comunidade, utilizar ferramentas ou recursos que ainda não dominam.
Docência no divã #14: Como trabalhar a resistência docente diante do novo?

 

  • Podem necessitar de tempo para aprender novas competências, concentrando a atenção nelas e não no conteúdo do curso: refere-se ao desafio que alguns alunos enfrentam ao tentar adquirir novas habilidades necessárias para realizar atividades em sala de aula. Isso pode resultar em uma concentração maior nas próprias competências, ao invés de focar no conteúdo do curso. Isto não seria um problema se as competências estivessem em sintonia com o que se deseja aprender, o que nem sempre é o caso. Esse desvio de atenção pode interferir na aprendizagem do conteúdo principal, pois os alunos precisam dominar essas novas habilidades antes de realmente se engajar com os conhecimentos da aula. Um exemplo de Martin (2023) ilustra bem este descompasso, ao compartilhar uma experiência que aconteceu em uma de suas aulas. Ao  solicitar aos estudantes uma pesquisa sobre um tema que deveria ser entregue em forma de slides, percebeu que os eles estavam se preocupando mais com design, o layout e os recursos de transição do powerpoint do que aprender e pesquisar sobre o conceito em si. Por fim, aprenderam mais sobre a plataforma do que sobre o tema da aula.

 

  • Baseiam-se numa atitude de aprendizagem autodirigida, criando uma discrepância entre as expectativas e a experiência dos alunos. Aborda a tensão que ocorre quando uma nova abordagem de ensino exige que os alunos assumam um papel mais ativo e independente da sua aprendizagem. Isso pode causar uma diferença entre o que os alunos esperam do processo de ensino (mais direção e estrutura) e a realidade da abordagem (mais autonomia). Essa discrepância pode levar a dificuldades na adaptação, já que os alunos precisam reorientar suas suposições sobre o ensino e a aprendizagem. Um exemplo é olharmos para a pirâmide de Bloom e considerar a complexidade da taxonomia em suas fases. Muitas vezes, nós, professores, nos sentimos pressionados a desenvolver estratégias que direcionam para o topo da pirâmide de Bloom, como analisar, avaliar e criar. Esta supervalorização desses domínios cognitivos leva alguns professores a esquecer da base: conhecer e lembrar. Sem conhecimento prévio ou sem acesso aos conteúdos básicos não será possível chegar ao topo da pirâmide. Por exemplo, você pode promover um debate com seus alunos sobre a inteligência artificial no Direito, mas se não tiver introduzido conceitos ou textos básicos sobre o tema, o debate não irá fluir.  Por isso, as abordagens ativas preveem uma forte interligação entre o conhecimento e o conhecedor, e não dar condições para que os estudantes conheçam sobre o assunto antes de mobilizá-lo será frustrante e ineficaz.

 

Docência no divã #13: Como lidar com a convivência intergeracional na sala de aula

 

Por outro lado, há, ainda, a inabilidade docente para aplicação de métodos ativos que comprometem o engajamento dos estudantes neste tipo de ensino. Sobre este aspecto, Tino (2023) descreve o que chama de má conduta docente em três dimensões:  

  1. Incompetência: refere-se à falta de habilidades pedagógicas dos professores, como pressa na apresentação dos materiais, atividades excessivamente difíceis, comandos pouco claros e falta de reconhecimento de métodos eficazes de ensino.
  2. Ofensividade: envolve comportamentos desrespeitosos, como humilhação pública dos estudantes, uso de intimidação, arrogância e atitudes que contribuem para um clima hostil de aprendizagem.
  3. Indolência: relaciona-se à desorganização, como ausência frequente nas aulas, atrasos e demora na correção e devolução de trabalhos e exames, incluindo o descompromisso do professor durante atividades ativas: como não permanecer conectado com a atividade e ficar sentado somente observando ou realizando outras atividades enquanto os estudantes trabalham. 

Essas condutas impactam negativamente a experiência educacional dos alunos, gerando reações resistentes e prejudicando o ambiente de aprendizado.

 

Na sala de aula

 A mudança do papel do professor para atividades ativas exige uma reflexão sobre a transição do ensino tradicional, centrado na transmissão de conhecimento, para um modelo onde o professor atue como facilitador da aprendizagem. Quando o professor está em uma aula expositiva, ele segue um roteiro preestabelecido, há maior controle sobre a dinâmica da aula.  Em uma aula de aprendizagem ativa, há mais improviso, menos linearidade e precisão. O professor precisa se adaptar e responder às necessidades dos estudantes em tempo real, aceitando as contribuições, conectando com os objetivos da aula sem perder o critério de sucesso estabelecido para a aprendizagem. Esta mudança, por vezes, também gera desconforto e resistências no professor. 

Lidar com a imprevisibilidade e a demanda por maior flexibilidade em uma aula ativa aumenta a carga cognitiva do professor. Na aula tradicional, a memória de trabalho é focada, principalmente, no conteúdo expositivo. Já em uma aula ativa, essa memória deve incluir não apenas o conteúdo, mas também a participação dos estudantes, o envolvimento deles com o tema e a interação entre si. Isso requer do professor uma capacidade maior de gerenciar múltiplos aspectos simultaneamente, tornando o processo de ensino mais complexo e dinâmico.

Para neutralizar e limitar as resistências é fundamental o apoio aos professores no processo de reconhecimento de suas crenças e visão de aprendizagem. Deve-se fornecer  formação prática para que se sintam seguros na criação de cenários alternativos para a aprendizagem. Vencida essa etapa, é possível olhar para as resistências dos estudantes.

 

Docência no divã #12: Como motivar os professores a aplicarem o que aprendem na formação continuada?

 

Embora os professores não consigam mudar as experiências passadas dos estudantes, podem reduzir as resistências, ajudando-os a reinterpretar essas experiências de forma mais positiva.  Ao promover o desenvolvimento do senso de autoeficácia proporciona tarefas que aumentam gradualmente em complexidade, permitindo que eles observem o sucesso de outros e ensinando estratégias para lidar com desafios. Além disso, eis algumas estratégias para reduzir a resistência dos estudantes:

– Proximidade: professores podem promover a proximidade física e psicológica através de linguagem não verbal, reconhecimento dos alunos (chamando pelo nome) e disponibilidade para conversar antes e depois das aulas. Demonstrar acessibilidade, empatia e comportamento amigável favorece o estabelecimento de vínculos de confiança e aumenta também o seu comprometimento em atividades propostas pelo professor. 

– Transparência Pedagógica: ao estabelecer contratos pedagógicos claros,  compartilhando as escolhas pedagógicas e expectativas com os alunos desde o início da disciplina, o professor imprime transparência e legitimidade ao processo de ensino e aprendizagem. Orientações claras, segurança e direção trazem ao estudante adulto o reconhecimento da autoridade docente.

 

Docência no divã #11: Como abordar as soft skills com os estudantes

 

– Critérios de comprometimento e responsabilização: em estratégias ativas, em que muitas atividades são realizadas em grupos, é necessário inibir o parasitismo social que acomete muitos estudantes. Ao aplicar critérios claros de avaliação, em que cada membro seja avaliado, ainda que com estratégias entre pares e rubricas de avaliação, evita-se a sobrecarga de alguns membros do grupo e as percepções de injustiça. Além disso, fornecer feedbacks constantes ao longo do processo auxilia a motivação e permanência nas atividades. 

– Propósito partilhado: para os estudantes adultos é fundamental reconhecer os objetivos e importância de determinada atividade. Criar uma visão de propósito em que as expectativas e as competências desenvolvidas sejam visíveis favorece o envolvimento dos estudantes nas atividades. 

– Incrementalismo: introduzir práticas ativas de forma lenta e constante para familiarizar os alunos com o método favorece a implantação de novos métodos. Além disso, aceitar os feedbacks de melhoria dos próprios estudantes sobre as estratégias adotadas, torna-os corresponsáveis pelo sucesso e eficácia da aprendizagem. 

Como sugestão para lidar com as resistências ao aprendizado ativo, indico o uso de “estruturas libertadoras” para a aprendizagem. São métodos de facilitação e organização que permitem a participação ativa e o engajamento de todos os membros de um grupo em processos de aprendizagem e tomada de decisões. Elas se baseiam em princípios de colaboração, autonomia e inclusão, num formato simples e flexível para que as pessoas compartilhem ideias, resolvam problemas e inovem juntos.

 

Docência no divã #8: Como motivar os estudantes na aprendizagem ativa

 

No aprendizado adulto, essas estruturas ajudam a criar um ambiente de aprendizagem mais dinâmico e interativo, permitindo que os participantes assumam maior responsabilidade por seu próprio aprendizado, troquem experiências e desenvolvam habilidades de forma prática e colaborativa. 

O site Liberating Structures oferece uma coleção de métodos simples, que ajudam a facilitar a participação e a colaboração em grupos de trabalho e aprendizado. Essas ferramentas são projetadas para promover a inovação, a inclusão e a eficiência em processos de tomada de decisão, resolução de problemas e aprendizagem colaborativa. O site também fornece exemplos práticos, guias e recursos para aplicar essas estruturas em diferentes contextos, como educação, negócios e desenvolvimento organizacional. Espero que você curta.

Essa foi a Millena no Divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato e participe das próximas colunas. 

 

Referências

ANDREWS, M. et al. Estratégias de explicação e facilitação reduzem a resistência do aluno à aprendizagem ativa, ensino universitário. Ensino universitário, v. 70, n. 4, 530-540, 2022. DOI: 10.1080 /87567555.2021.1987183

MARTIN, H. R. Como Aprendemos? Uma Abordagem Científica da Aprendizagem e do Ensino. Porto Alegre: Penso, 2023.

TINO, C. Uma interpretação integrativa de fatores pessoais e contextuais da resistência dos alunos a estratégias ativas de aprendizagem e ensino. Studies in Adult Education and Learning v. 26, n. 2, p. 59-74. 2020.

 

Karina Nones Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior

 

Por: Karina Tomelin | 16/08/2024


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